18 de março de 2024
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no último dia 27 de fevereiro, editou novas regras para combater a desinformação, discursos de ódio, ataques às instituições democráticas, entre outras práticas ilegais, durante as eleições, estabelecendo o seguinte no art. 9-E, da Resolução 26.910/ "Os provedores de aplicação serão solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não promoverem a indisponibilização imediata de conteúdos e contas, durante o período eleitoral". Este dispositivo tem causado polêmicas, com alegações de que estaria em desacordo com o que dispõe o art. 19, do Marco Civil da Internet. (MCI), pondo em risco a liberdade de expressão e vibializaria a censura privada, ignorando o que está expresso no inc. VI, do art. 3º, da mesma lei, dispondo que um dos princípios para a disciplina do uso da Internet é a "responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei".
Ou seja, o art. 19 deve ser interpretado sistematicamente ao lado do art. 3º, VI, bem como levando em consideração o que está expresso no Código Civil (CC), ao dispor no parágrafo único do art. 927 sobre as hipóteses de responsabilidade objetiva, deixando expresso que: "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
Além da previsão expressa no MCI e no CC de responsabilidade objetiva por parte dos agentes por suas atividades, temos também de levar em conta que a relação que se estabelece entre usuários e as plataformas é de consumo, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ainda em 2014.
Assim, ao se analisar as novas regras do TSE é obrigatório ter em vista o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, no art. 14, estabelece: "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos" e deixa expresso no art. 20 que: "o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária", estando entre estes vícios aqueles que coloquem o usuário em situação de insegurança e vulnerabilidade.
Nesse sentido, impõem-se o reconhecimento do fato de que a natureza das atividades desenvolvidas pelas plataformas, especialmente em períodos eleitorais, trazem em si riscos intrínsecos de dano em larga escala, na medida em que são as responsáveis pelo controle do fluxo de informações e pela moderação de conteúdos, por meio de seus sistemas algorítmicos utilizados para impulsionamento, recomendação, ampliação ou redução de alcance de conteúdos e suspensão de contas de usuários, de rotulagem das propagandas para informar sobre origem de financiamento, uso de técnicas de inteligência artificial e uso de dados pessoais para direcionamento de propaganda.
Para reforçar o cabimento das finalidades anunciadas pelo...
]]>16 de março de 2024
Eu, Paloma Rocillo, do Instituto Iris e Polinho Mota, do data_labe, por estarmos juntos na luta pela democratização do acesso a Internet, atuando na Coalizão Direitos na Rede (CDR), escrevemos artigo publicado dia 6 de março no Le Monde Diplomatique Brasil. Tratamos sobre o modelo preponderante de acesso a Internet no Brasil, que acontece pela rede móvel, com planos pré-pagos, na modalidade de franquias (baixíssimas - média de 10 Gb/mês), com bloqueio ao final do pacote de dados, associadas ao zero rating, com a quebra claramente ilegal da neutralidade da rede, privilegiando o tráfego dos pacotes do Facebook, WhatsApp e Instagram, contribuindo para o acirramento do abismo digital perverso entre a Internet dos ricos e a dos pobres.
Esse acesso limitado e precário é uma das grandes razões para o atual cenário de propagação de desinformação. E o mais assustador é o silêncio dos órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor e de Direitos Digitais, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Políticas Digitais, da Presidência da República, quanto ao pedido formal apresentado por entidades que integram a CDR ainda em 4 de janeiro de 2023, por meio do qual requeremos a adoção de medidas para adequar as práticas comerciais das operadoras de conexão a Internet às garantias que conquistamos com a Constituição Federal, com o Código de Defesa do Consumidor e com o Marco Civil da Internet, que impõem ao Estado a Defesa do Consumidor, a continuidade na prestação dos serviços essenciais e a neutralidade da rede, que vêm sendo violadas reiteradamente, desde 2015.
Diante do silêncio das autoridades, a CDR deflagrou no ano passado a Campanha #Liberaminhanet e vamos continuar a atuar junto ao Ministério da Justiça para evoluirmos nas garantias da liberdade de expressão, direito à informação e democratização das comunicações no país.
Segue o texto:
Desde 2016, o Brasil vive sob a sombra de campanhas de desinformação política que influenciam como os eleitores escolhem suas pautas e candidatos. Quantos de nós chegaram a sair de grupos de aplicativos de mensagem online porque não aguentavam mais um tio que todo dia enviava fake news sobre uma suposta distribuição de mamadeiras ou prêmios Nobel que nunca foram concedidos?
Muitas pesquisas têm apontado que grupos online são canais de intensos fluxos de consumo e distribuição de informação política. O que ainda não está sendo debatido da forma que deveria é a relação direta entre essa circulação de desinformação e o modelo de oferta de acesso à internet praticado no Brasil. Se estamos falando de um problema relacionado à comunicação, precisamos pensar quais são as estruturas que viabilizam tal comunicação. Dados da TIC Domicílios[1], produzida pelo CETIC.br, apontam que seis a cada dez usuários de internet no Brasil acessaram a rede exclusivamente pelo telefone celular (62%). Entre aqueles com telefone celular, 64% haviam contratado um plano pré-pago e 34% um plano pós-pago. Ou seja, uma estrutura central para a comunicação da população brasileira atualmente é a internet móvel.
É também desde 2016 que...
]]>15 de janeiro de 2024
Na edição nº 37 junto com outros importantes artigos, publiquei este, cujo texto transcrevo abaixo, tratando sobre a oportunidade perdida pelas Secretarias envolvidas com direitos e políticas digitais do Ministério da Justiça e da Secretaria de Comunicação, de introduzir mecanismos na lei eleitoral para minimizar os ataques de desinformação que virão com as próximas eleições.
Minirreforma eleitoral abortada e desinformação
Em julho de 2023, tudo indicava que o governo Lula fosse envidar esforços e realizar incidência junto ao Congresso Nacional para adotar medidas regulatórias com o objetivo de reduzir danos para as eleições municipais de 2024, introduzindo dispositivos na minirreforma eleitoral, definindo regras mínimas quanto à propaganda na Internet, como comentei aqui no blog.
Mas, surpreendentemente, as secretarias envolvidas com políticas e direitos digitais do Ministério da Justiça e da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, criadas pela Medida Provisória 1.154/2023, convertida na Lei 14.600/2023, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, tiveram uma atuação reduzida diante da oportunidade para introduzir dispositivos na Lei Eleitoral, por intermédio do Projeto de Lei 4438/2023, que foi aprovado na Câmara Federal e terminou por não ser aprovado no Senado. Isso é incompreensível, tendo em vista problemas graves ocorridos durante as últimas eleições desde 2018, pelo uso abusivo das plataformas de Internet especialmente por candidatos da direita.
É verdade que a Secretaria de Políticas Digitais apresentou sugestões de inclusão de textos, cujo mérito, na minha avaliação, apesar de importantes, passaram ao largo dos temas que reputo mais graves e que mereceriam muita atenção, como indicarei mais adiante. Até porque, como sempre ressaltou o Relator do projeto de lei – Deputado Rubens Pereira Júnior, do PT do Maranhão –, nas audiências públicas do Grupo de Trabalho relativo à minirreforma, o objetivo era tratar de questões consensuais entre os partidos e que temas relativos à desinformação seriam tratados no âmbito dos debates do PL 2630/2020, que trata de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, do que eu discordo, pois a Lei Eleitoral deve trazer dispositivos específicos.
A atuação tímida do governo quanto à possibilidade de emplacar uma minirreforma substancial antes das próximas eleições é injustificável, especialmente diante da constatação que analistas políticos têm feito desde a posse do Presidente Lula, no sentido de que as forças reacionárias derrotadas em 2018 estão em movimento de forte mobilização nas redes para reverter o quadro, pavimentando o campo eleitoral de 2024 com vistas a vencer em 2026, para impedir a reeleição do PT.
A Reforma Eleitoral de 2017
Atribuo muito dos problemas que temos enfrentado durante as últimas eleições à Reforma Eleitoral ocorrida em 2017, quando foram introduzidas na Lei 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, disposições sobre a propaganda na Internet.
A partir...
]]>23 de janeiro de 2024
As perplexidades que envolvem o direito à liberdade de expressão e a desinformação vão marcar 2024, que já começou trazendo debates intensos no Poder Judiciário, merecendo nossa maior atenção, tendo em vista suas consequências para a manutenção de garantias democráticas conquistadas com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), especialmente neste ano de eleições municipais.
Estou me referindo à sentença proferida pelo juiz da 9ª. Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, julgando parcialmente procedentes pedidos apresentados pela Jovem Pan para a exclusão do perfil do Sleeping Giants das redes sociais do Facebook e do Twitter – pedido este que foi negado –, retirada dos conteúdos postados pela associação relativos à campanha promovida pela entidade #desmonetizajovempan e indenização por danos morais.
Liberdade de Expressão e responsabilidade
Esse caso é emblemático e é prudente refletirmos sobre ele, pois o principal fundamento da decisão, que será objeto de recurso pelo Sleeping Giants, foi no sentido de que teria havido por parte da entidade abuso do direito de liberdade de expressão, causando impacto financeiro pela retirada de patrocínios que, segundo a decisão judicial, se deu como resultado da campanha para desmonetização.
E o curioso é que justamente o abuso do direito de liberdade de expressão, em virtude de desinformação voltada para enfraquecer o regime democrático no país, é o mesmo argumento que fundamenta a campanha de desmonetização levada adiante pelo Sleeping Giants.
Vale lembrar que o Sleeping Giants não está sozinho quanto ao entendimento de que a Jovem Pan estaria se comportando de forma ilícita e abusando do direito à liberdade de expressão. O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP), em junho do ano passado, ajuizou Ação Civil Pública contra a empresa tendo como fundamento o abuso do exercício da liberdade da radiodifusão, por alegado comportamento inidôneo pela promoção de “desinformação em larga escala”, atentando contra as instituições democráticas no país, tendo também enviado à Controladoria Geral da União, recomendação indicando a necessidade de adoção de “providências para instaurar processo administrativo sancionatório, (…), com o objetivo de aplicar à Jovem Pan, a penalidade de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública”.
Nesse quadro dos debates em torno de limites para o exercício do direito à liberdade de expressão, importante mencionar que em decisão de dezembro último, com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu o Tema 995, fixando o seguinte:
“1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
19 de outubro de 2023
Publicado no Mobile Time em 17 de outubro de 2023
Os ataques especialmente por parte das Teles contra a ideia da neutralidade da rede estão fartamente documentados nas diversas contribuições e debates ocorridos no âmbito do Ministério da Justiça desde 2010 sobre o Marco Civil da Internet (MCI) até a edição da lei em abril de 2014. A resistência ao cumprimento do que se tornou um direito expresso no MCI e já estava estabelecido como um dos mais importantes princípios no Decálogo para a Governança da Internet, editado em 2009 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), vem se manifestando desde a entrada em vigor da lei e vem se intensificando nos últimos tempos, marcando as disputas entre organizações da sociedade civil, Teles e Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), tendo como foco os planos de acesso a Internet predominantes no país, marcados pela oferta de franquias irrisórias associadas à prática zero rating (ou tarifa zero) para determinadas aplicações.
Importante lembrar que a ideia de neutralidade, introduzida em 2003 por Tim Wo – hoje integrante do Conselho Econômico Nacional do governo Biden, é fundamental para a manutenção da arquitetura aberta das redes lógicas e para a garantia do caráter democrático da Internet. O termo surgiu com o objetivo de evitar práticas anti-concorrenciais, filtragem e privilégios de tráfego baseado em motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, entre outros.
Entretanto, o que tem predominado no mercado brasileiro são acordos comerciais entre as grandes Teles e provedores de aplicações, especialmente as da Meta – Facebook e WhatsApp que, desde 2021 têm sido considerados quebra de neutralidade pela Corte de Justiça Europeia e pelo Body of European Regulators for Eletronic Communications (BEREC) – organismo que define orientações para os órgãos reguladores nacionais da Comunidade Europeia, tornando ilegais estes tipos de planos.
Para a nossa tristeza, a ANATEL aqui no Brasil, assim como o Ministério das Comunicações, considera essas práticas “benéficas para o consumidor”, como tem dito em processos no Conselho de Administrativo de Defesa Econômica, ou em representação apresentada pelo Intervozes ao Ministério Público Federal ainda em 2018. Porém, a despeito dos ataques, a garantia legal expressa no MCI permanece intocada.
As iniciativas para a introdução do Fair(?) Share
Sintomático, então, que mais recentemente tenha surgido em diversos países o debate sobre a suposta necessidade de compartilhamento de custos de infraestrutura para provimento de acesso a Internet, defendido pelas Teles, que pretendem ver definidas regras para cobrança dos provedores de aplicações pelo tráfego de seus pacotes de dados, como se estes custos já não estivessem sendo pagos por nós consumidores, seja pela cobrança dos serviços de telecomunicações ou dos serviços de dados, quando contratamos nossos planos de acesso e pagamos bem caro por isto, principalmente aqui no Brasil e em diversos países da América Latina.
Foi neste contexto que a ANATEL instaurou neste ano a Tomada de Subsídios nº 13, voltada para a revisão do Regulamento dos Deveres dos Usuários, com o objetivo de estabelecer o pagamento pelo uso das...
]]>18 de agosto de 2023
Participei ontem da mesa que discutiu a Regulação de Plataformas Digitais e Proteção de Dados Pessoais, no 14º Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais, organizado pelo CGI.br e NIC.br e compartilho aqui minhas reflexões sobre o tema. Os painéis ocorridos nos três dias de seminário podem ser acessados pelo canal do NIC.br no YouTube.
Antes de tudo, quero deixar meu testemunho e homenagem ao Danilo Doneda. Primeiro como ativista nos processos de discussão sobre o Marco Civil da Internet e da Lei de Proteção de Dados Pessoais, quando o Danilo estava sempre disponível para nos iluminar e conferir consistência e qualificando nossa atuação nas mesas democráticas de discussão dessas duas importantes leis. E segundo como Conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil, pois Danilo, atuando como consultor, trazia elementos fundamentais para orientar a atuação do CGI.br e para integrar os debates internacionais dos quais participava intensamente com as iniciativas nacionais. Obrigada por tudo, Danilo!
Feita a homenagem, no campo das discussões sobre proteção de dados pessoais e diante do fato de que as atividades comerciais desenvolvidas pelas plataformas digitais, para além de estarem sujeitas à regulação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), no que diz respeito ao uso de dados pessoais para a realização de perfilamento, moderação de conteúdos entre outras práticas algorítmicas, demandam outros aspectos de regulação que estarão contemplados, por exemplo, pelas leis que estão em debate envolvendo a Liberdade de Expressão, Transparência e Responsabilidade, nos termos do PL 2630/2020 e o PL 2338/2023, que trata da Inteligência Artificial.
Nesse sentido e considerando que um dos principais pontos de impasse para a aprovação do PL 2630/2020 tem sido a definição de qual modelo de regulação será adotado, vou trazer reflexões no sentido de demonstrar que as agências reguladoras não contam com cabedal necessário para dar conta dos diversos direitos e suas vertentes de efeitos nos campos econômico, social, educacional, cultural e de direitos fundamentais afetados pelas atividades das plataformas.
Como já foi destacado aqui em diversos painéis nesses três riquíssimos dias de seminário, os serviços prestados pelas plataformas digitais trazem riscos intrínsecos especialmente pelo fato de que as atividades normalmente desenvolvidas por essas empresas, que atuam com poder de controle e abrangência inéditos nos campos da comunicação, informação, publicidade e propaganda política, com uso intenso de big data e Inteligência Artificial, implicam, por sua natureza, em riscos para direitos sociais, políticos e econômicos, individuais, coletivos e difusos e para as estruturas legais e institucionais dos países, com efeitos antiestruturais, como nos ensina a Leitícia Cesarino, no seu importante livro “O mundo do avesso - Verdade e política na era digital”, bem como Shoshana Zuboff – Capitalismo de Vigilância, Eugeny Morozov – A ascensão dos dados e a morte da política.
Nesse cenário, destaco aqui vasta doutrina nacional e internacional, especialmente os trabalhos de Alketa Peci e Bruno Queiroz Cunha, desenvolvidos para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), demonstrando que “Como sucedâneo de reformas institucionais...
]]>25 de julho de 2023
No último dia 2 de julho, a Folha de São Paulo publicou matéria informando que o Governo Lula, descrente da aprovação do PL 2630/2020, que propõe a Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecido como PL das fake news, estaria investindo “em um plano B” com o objetivo de definir “regras para a campanha eleitoral digital, para que elas possam valer nas eleições municipais de 2024”.
Ações do Governo nessa direção, e com urgência, fazem todo o sentido; até porque o foco do PL 2630 é bem mais amplo e poderá não ter eficácia para impedir os efeitos deletérios que resultaram da reforma na Lei Eleitoral ocorrida, não a toa, em 2017, na esteira da ascensão das forças de direita, na presidência de Michel Temer.
Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter atuado de forma bem mais incisiva quanto às atividades ilícitas relacionadas às campanhas na rede em 2022, o fato é que a reforma da Lei Eleitoral ocorrida em 2017, além de ter empoderado de forma excessiva as plataformas, colocando-as como protagonistas, como as principais mediadoras nos espaços públicos para os debates políticos, deixou de estabelecer outras regras para mitigar os potenciais efeitos negativos das postagens de conteúdos ilegais.
Foi o art. 57-C, introduzido na Lei 9.504/1997, que vetou “a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes” (redação de acordo com a Lei 13.488/2017).
Vejam, então, que a reforma de 2017 proibiu a propaganda paga na Internet, estabelecendo a exceção para o “impulsionamento de conteúdos”, incorporando o termo que revela como foi bem sucedido o lobby das plataformas, além de ter equiparado a contratação de “priorização de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet” ao impulsionamento, atribuindo às aplicações da Meta, da Google e Twitter, principalmente, vantagens imensas e inadequadas ao poder de mercado e de influência destas empresas para que passassem a operar largamente no campo político.
Por outro lado, uma das lacunas que não poderia ter sido esquecida para garantir mais equilíbrio e higidez ao processo eleitoral, e que precisa ser preenchida urgentemente, é que a lei não considera como propaganda em favor de determinado candidato os conteúdos altamente financiados, recobertos por uma roupagem de jornalismo, mas com fortes e parciais mensagens políticas, que não tenham sido postados diretamente pelas candidaturas ou partidos. Consequentemente, a lei deixa de definir regras específicas e inequívocas para impulsionamentos de conteúdos com teor político promovidos por pessoas jurídicas em geral, revestidos pela falsa roupagem do jornalismo.
A Lei Eleitoral é muito mais clara nesse sentido quando se trata de radiodifusão. Todavia, na Internet temos um campo de indefinição inapropriado e que tem causado muitos problemas, como nos mostraram os processos eleitorais conturbados de 2018 e 2022.
Os impulsionamentos volumosos de canais, que se anunciam como jornalísticos, como o da Brasil Paralelo, ocorridos nas eleições...
]]>22 de julho de 2023
O deputado Orlando Silva (PCdoB), relator do PL 2630/2020, que propõe uma Lei para a Liberdade, Transparência e Responsabilidade na Internet, conhecido como PL das fake news, em entrevista ao Portal 360 dia 22 de julho último, informou que o novo relatório relativo à proposta já está finalizado e "que a definição do órgão regulador das plataformas digitais é o único impasse do projeto. O congressista disse que o parecer do projeto está pronto para ser apresentado depois do recesso – que termina em 1º de agosto. No entanto, declarou que a determinação do órgão será feita “juntamente com o presidente da Câmara Arthur Lira e com os líderes”.
Esse quadro nos leva a acender o farol vermelho e a lamentar que uma decisão legislativa tão estratégica para o desenvolvimento do país e para nossas instituições democráticas tenha sido capturada por parlamentar de extrema direita e com histórico comprometido com o bolsonarismo, como é o caso do Presidente da Câmara Federal, e nem tanto com os interesses públicos e com os princípios republicanos.
Quanto ao tema da regulação das plataformas, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) instaurou processo de consulta pública, colocando uma série de questões sobre o tema para ouvir a sociedade. O processo se encerrou no último dia 16 de julho e em breve teremos uma compilação sobre as contribuições dos diversos segmentos da sociedade que participaram.
Entre as diversas reflexões propostas pelo CGI.br, foi apresentada a seguinte pergunta: Quais órgãos, agências ou autoridades públicas devem estar diretamente envolvidos com a implementação da regulação de plataformas digitais? Quais as principais atribuições que esses atores devem ter?
Participei da consulta respondendo, entre outras, esta questão, e compartilho aqui as reflexões que apresentei ao CGI.br:
Bruno Queiroz Cunha, em trabalho desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), afirma que “Como sucedâneo de reformas institucionais de caráter liberalizante e pró-mercado, um tipo específico e delimitável de órgão regulador, qual seja, a agência reguladora, passou a integrar o roteiro de propostas de reformas administrativas mundo afora, aportando no Brasil nos anos 1990. Esse movimento reformista ancorou-se, em particular, em concepções neoinstitucionalistas (no sentido econômico), de orientação neoclássica (Andrews, 2013)”.
As reformas às quais o autor se refere começaram a ocorrer com a edição da Lei 8.031/1990, que criou o Programa Nacional de Desestatização e deu origem a processos de privatização em diversos setores, como a energia elétrica, o gás, a radiodifusão e as telecomunicações.
Em virtude do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, a implementação das desestatizações foi estancada até a eleição de Fernando Henrique Cardoso, que assumiu o governo em 1995, acelerando, no Brasil, a dinâmica do neoliberalismo, doutrina iniciada a partir dos anos 1980 na Europa e nos EUA, com viés de liberalização econômica, desregulamentação, livre comércio, privatizações, austeridade fiscal e corte nas despesas governamentais.
Nesse contexto, como afirma Bruno Queiroz Cunha, foram criados novos “aparatos estatais, com a finalidade de (re)enquadrá-los à nova etapa do capitalismo, nascida do...
]]>25 de abril de 2023
Dada a pressa que tem sido alardeada para aprovação do PL 2630, conhecido pela péssima denominação de PL das fake news, e a posição que venho defendendo no sentido de que a pressa neste caso vai nos colocar riscos concretos de comprometimento do direito à liberdade de expressão e que o aprofundamento das discussões em torno especialmente na nova parte incluída e sobre a responsabilização das plataformas, que não foi submetida a debate público, é imprescindível, resolvi trazer, ainda que atrasada, este texto publicado na coluna do Mobile Time no último mês abril.
Trago o texto do artigo aqui neste momento, pois acredito que contamos com ferramentas jurídicas suficientes para garantir que, até o amadurecimento do texto do PL 2630, as plataformas devem cumprir com as obrigações de segurança expressas no Código de Defesea do Consumidor e outras leis como o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei Eleitoral entre muitas outras, como deixou incontestável a edição da Portaria 351/2023, no contexto da Operação Escola Segura, implementada pelo Ministério da Justiça.
Segue então o artigo:
Desembarcamos em 2023 em estado de crise que se instalou no poder desde 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff. O projeto vitorioso da esquerda encabeçado pelo Presidente Lula nas eleições de 2022 veio a duras penas, apoiado, mas contido, por uma frente de aliados com os mais diversos matizes políticos variando da direita para a esquerda.
A vitória se deu por pequena margem de diferença – 50,88% dos votos válidos para Lula e 49,12% para Bolsonaro – e só foi possível, em grande medida, por conta da atuação firme do Tribunal Superior Eleitoral, que funcionou como contrapeso à campanha do projeto da direita, marcada pelo uso da máquina pública em dimensões nunca vistas e de financiamentos pesados para propagandas eleitorais ilegais, difundidas principalmente pelas aplicações de Internet.
A reação da turba bolsonarista foi imediata, como pudemos assistir com os acampamentos de luxo diante dos quartéis por todo o País e com a tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro, debelada pela atuação do Ministério da Justiça e Segurança Pública e das Polícias Federal e Legislativa, com repercussões recentes que desestabilizam o atual governo.
A mobilização de parcela tão significativa da sociedade para manter o voto em Bolsonaro, depois de um governo com resultados devastadores para a sustentabilidade dos direitos fundamentais, comprometimento do desenvolvimento econômico e social do país e derrocada dos processos civilizatórios, mantendo milhares de cidadãos dispostos a questionar o resultado das eleições, a ponto de ficarem nas ruas por mais de três meses, se deu principalmente pelo uso incontestável e bastante competente pelas forças de direita de aplicações como redes sociais, serviços de mensageria e de streaming, por meio das quais foram promovidos e disseminados discursos ilegais e de ódio, como apontaram pesquisas.
A mobilização das forças reacionárias com o uso das redes permanece intensa, valendo notar que a configuração política do Congresso Nacional, com predomínio de parlamentares de direita, vem atuando de forma sinérgica para acentuar...
]]>1 de maio de 2023
A urgência de regularmos as plataformas digitais é incontestável, como nos revelam os últimos acontecimentos que têm desestabilizado nossa democracia, ocorridos desde 2014, envolvendo o processo de reeleição da Presidenta Dilma Rousseff, seu impeachment, a prisão do Presidente Lula, as campanhas políticas marcadas pela desinformação e discursos de ódio de 2018 e 2022, culminando com o atentado de 8 de janeiro deste ano e agora os ataques às escolas e crianças e adolescentes, todos eles com a participação importante das plataformas.
Entretanto, para afastarmos o risco de darmos um tiro no pé, é necessário que o texto da lei que está em debate e trata de Liberdade, Transparência e Responsabilidade nos garanta o grau de segurança jurídica adequado a complexidade do espectro de temas que serão impactados pelo texto a ser aprovado e eficientes o suficiente para fazer frente ao inédito poder econômico das Bigtechs.
É fundamental que o texto nos garanta, o máximo possível, que haja enquadramentos suficientes de agentes econômicos a estarem submetidos às obrigações que a lei trará e de suas condutas e práticas comerciais, bem como que garanta os mecanismos de regulação e fiscalização eficientes, o que hoje sequer consta da proposta.
O texto do Substitutivo ao PL 2630, apresentado pelo Deputado Orlando Silva – relator da proposta na Câmara Federal há menos de uma semana, com a introdução recente de temas sensíveis e não suficientemente debatidos de forma democrática, não nos garante a segurança necessária e, portanto, não é razoável e nem responsável submetê-lo ao regime de urgência, como se aprovou em sessão de votação tumultuada no último dia 25 de abril.
Sensacionalismo e oportunismo político e econômico
A matéria do PL 2630 é central e de enorme relevância e, justamente por isso se tornou bandeira levantada de forma oportunista para a defesa de grandes interesses políticos e econômicos, dos grandes radiodifusores, especialmente a rede Globo, que há anos vêm sentindo o baque de dois fatores que precisamos destacar e distinguir nesse debate.
O primeiro diz respeito à perda do protagonismo sobre as narrativas. A Internet, por meio das aplicações ofertadas vastamente no mercado pela Meta e Google/Youtube principalmente, viabilizou que movimentos sociais e as mídias independentes apresentassem sua visão dos fatos e demonstrassem eventos com desinformação promovidos pelos radiodifusores, associados a políticos poderosos e, até pouco tempo, hegemônicos.
São exemplos de desinformação conhecidos de todos a vergonha da notícia veiculada pela Globo sobre as poderosas manifestações de 25 de janeiro de 1984 pelas Diretas Já como se fosse aglomeração pública em comemoração pelo aniversário de São Paulo.
Posteriormente, nas eleições a Presidência disputada por Fernando Collor e Lula, quando a Globo manipulou fatos e hipotéticos documentos para enfraquecer o candidato do Partido dos Trabalhadores e, mais recentemente, a exaltação reiterada ao longo de anos da Lavajato e seus algozes Sergio Moro e Deltan Dalagnol.
Vamos lembrar que o discurso predominante em favor dos usurpadores só caiu por terra pela atuação do hacker de Araraquara e a atuação do site...
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