Multisetorialismo, Franquia de Dados e Ganhos Sociais

Com a edição da Portaria 147, de 31 de maio de 1995, editada em conjunto pelos Ministérios das Comunicações e da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Brasil deu o primeiro passo para que a governança da Internet se desse num contexto multissetorial. Foi esta portaria que criou o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), com o “objetivo de assegurar qualidade e eficiência dos serviços ofertados, justa e livre competição entre provedores, e manutenção de padrões de conduta de usuários e provedores”, tendo em vista o reconhecimento da necessidade de coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país”. Ficou estabelecido também que o Comitê seria constituído por um representante de cada Ministério, um representante da Telebrás, um do CNPq, um da Rede Nacional de Pesquisa, um da comunidade acadêmica, um de provedores de serviços, um da comunidade empresarial e um representante da comunidade de usuários do serviço de Internet. Em 3 de setembro de 2003, foi editado o Decreto 4.829 para regulamentar e atualizar a configuração institucional do CGI.br, aumentando o número de representantes de cada setor. Mais recentemente, com a aprovação do Marco Civil da Internet em abril de 2014 – a Lei 12.965, a opção do Brasil de promover a governança multiparticipativa para o ambiente de Internet ficou ainda mais clara, na medida em que ficou estabelecido que entre as diretrizes para a atuação dos Poderes Públicos em todas as esferas da federação está o estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica, fazendo referência específica à participação do CGI.br para a promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da internet. Foi neste contexto, e por conta de intensa demanda da sociedade por meio de centenas de mensagens eletrônicas, que inauguramos no CGI.br no final de 2016 um Grupo de Trabalho para tratar da questão largamente polêmica da aplicação pelas teles de franquias, ou limites nos planos de acesso a Internet pela rede fixa. Os grupos de trabalho no CGI.br são sempre compostos respeitando-se a mesma representatividade que o comitê pleno, para garantir equilíbrio. Os trabalhos do grupo vêm se revelando extremamente relevantes, especialmente pelas contribuições dos braços técnicos do CGI.br – o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e o Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT) – que conferem densidade e consistência para a análise da questão. Mas no meio de nosso trabalho, fomos surpreendidos pela manifestação do Ministro Gilberto Kassab a respeito da aplicação de limites de dados para os planos de Internet, afirmando que: "A simples menção a essa questão, a essa discussão, a esse estudo trouxe uma mobilização muito grande e mostrou a todos nós brasileiros que nem a discussão a sociedade quer. Portanto, se isso é majoritário, se o Congresso pensa dessa maneira, até porque fui acessado por dezenas de parlamentares, deputados federais e senadores, que colocaram sua posição frontalmente contraria a essa discussão e a limitação. O Governo ratifica sua posição, enfatiza que é contra a limitação e que não vai levar essa discussão adiante; nem a discussão. Fica claro que a sociedade brasileira interpreta essa discussão ou a implantação da limitação como exclusão social. Internet é cidadania, porque o cidadão que não tem acesso à Internet, ele está em condição de desigualdade com os outros cidadãos". A surpresa se deveu ao fato de que uma semana antes o mesmo Ministro havia dado entrevista, comentada neste blog, afirmando que até o final de 2017 as franquias passariam a ser aplicadas pelos provedores de acesso, o que causou fervor na opinião pública, tendo em vista as consequências indesejáveis que poderiam vir da limitação aplicada em larga escala. Entretanto, frente ao teor da manifestação do ministro, com a qual concordamos integralmente, levamos a questão ao pleno do CGI.br propondo que a apoiássemos publicamente, inclusive porque ela tinha um caráter complementar à Resolução 2016/015 já editada sobre o mesmo tema. É claro que não foi fácil chegarmos a um consenso, dada a multiplicidade de interesses na mesa. Todavia, depois de diversas versões para a nota que ao final foi divulgada ontem pelo CGI.br, chegamos ao consenso. E esse consenso representa ganho não só pelo resultado extremamente importante de o CGI.br e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações reconhecerem no acesso a Internet um importante canal para o exercício da cidadania e que a aplicação de franquia aos planos de acesso Internet implica em desigualdade e exclusão social, mas também pelo processo de construção do consenso em si e pelo compromisso de todas as partes envolvidas com o mérito da questão, prestigiando a democracia.