O Governo Temer, por intermédio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que tem a frente hoje o Ministro Gilberto Kassab, no dia 8 de agosto publicou no diário oficial uma consulta pública para orientar a edição de decreto a ser editado para alterar a estrutura de governança da Internet no Brasil, com prazo de 30 dias para contribuições.
A proposta do Governo causou fortes reações na sociedade civil em geral, na medida em que, apesar de o coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) ser o Secretário de Políticas de Informática do MCTIC, o comitê foi surpreendido pela iniciativa unilateral, açodada e inoportuna, tendo em vista a excepcionalidade do momento político que vivemos, por conta de termos como Presidente da República hoje alguém que vem atuando de forma absolutamente divorciada das propostas que venceram as eleições de 2014.
A Coalizão Direitos na Rede, formada por um coletivo dezenas de entidades que defendem direitos fundamentais, direito à comunicação e direitos de consumidores, assim como por ativistas e acadêmicos, publicou uma Nota de Repúdio à conduta anti-democrática do Governo e cobrou um processo mais participativo.
A indignação de diversos representantes da sociedade civil pode ser conferida na ata de reunião do dia 18 de agosto de 2017, quando representantes da sociedade civil buscaram o consenso no CGI.br para que o processo de revisão da estrutura de governança da Internet fosse mais representativo, legítimo e democrático.
O resultado da reação da sociedade foi a ampliação do processo de consulta pública, conforme nota editada pelo CGI.br, no próprio dia 18 de agosto, por meio da qual se deu publicidade à instauração de consulta na plataforma do CGI.br, bem como a realização de Audiência Pública sobre o tema, no dia 17 de novembro, no bojo do VII Fórum da Internet do Brasil, que ocorrerá nos próximos dias 14 a 17, no Rio de Janeiro.
O prazo para contribuições para esta segunda etapa da consulta pública se encerra no próximo dia 19 de novembro e, com foco nesse cenário e na enorme relevância da participação da sociedade civil para a preservação de uma governança da Internet multiparticipativa e democrática, como determina o Marco Civil da Internet, a PROTESTE, entidade integrante da Coalizão Direitos na Rede, apresenta suas contribuições, elaboradas com base em debates entre entidades do 3º setor interessadas, a fim de suscitar reflexões e estimular a maior participação possível.
Seguem, então, nossas contribuições:
A PROTESTE – Associação de Consumidores, vem ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apresentar suas contribuições ao processo de Consulta Pública instaurada para orientar a definição de “Diretrizes e recomendações para o aperfeiçoamento da estrutura de governança da Internet no Brasil”.
A despeito de discordarmos da forma unilateral e impositiva como o governo deu início ao processo de revisão do CGI.br, na medida em que estamos vivendo um momento político excepcional, com um Presidente da República em exercício que desempenha a função em virtude do impeachment da Presidenta eleita, e que vem promovendo mudanças profundas desvinculadas do programa que venceu nas urnas, com um nível de aprovação pela sociedade de 3% (três por cento), entendemos que há espaço para aperfeiçoamentos e que o processo de revisão da estrutura da governança da Internet não pode se dar sem a ampla participação da sociedade.
Foi esse quadro que levou a que a PROTESTE, junto com dezenas de entidades, ativistas e acadêmicos, que integram a Coalizão Direitos na Rede, tenha se manifestado publicamente em 9 de agosto de 2017 , repudiando a atitude do governo que, sem iniciar o debate sobre a revisão no âmbito do CGI.br, instaurou o processo.
De acordo com a Nota de Repúdio: “Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil”.
Seguem, então, nossas contribuições.
I – INTRODUÇÃO
Considerando que um dos objetivos da consulta pública instalada inicialmente pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) é rever as competências e atribuições do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), é importante enfrentar as frequentes dúvidas a respeito da classificação do Serviço de Conexão a Internet (SCI) que, de acordo com nosso entendimento se configura como serviço de valor adicionado.
Entretanto, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) vem insistindo que o SCI se classifica como serviço de telecomunicações e, consequentemente, que sua regulação estaria sob as atribuições da agência.
A expressão "serviço de conexão" dá margem ao entendimento de que tanto a conexão do meio (telecomunicação) como a conexão lógica (o "handshake" que abre uma sessão de transporte TCP/IP na Internet) estariam contempladas por aquele serviço. Porém, quando menciona SCI, a Norma 04/1995 refere-se à conexão lógica sobre uma rede qualquer de telecomunicações ("carrier").
A conexão de telecomunicação (dois rádios que estabelecem conexão entre eles, ou um cabo entre provedor e cliente, ou um canal de satélite conectado a uma estação terrestre) pode ou não estar sob a jurisdição regulatória da Anatel. Talvez a exceção seja um cabo urbano ponto-a-ponto entre provedor e cliente ou um cabo de passagem, em que o âmbito de autoridade seja a prefeitura (ou uma proprietária de postes). A Anatel regula o "carrier" via rádio, qualquer que seja este. Já a conexão lógica ("handshake" de abertura de sessão) e o transporte de dados (bem como todas as camadas de aplicação) estão fora do âmbito regulatório da Anatel.
Estes esclarecimentos são fundamentais nesse momento em que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) pretende editar decreto para rever a estrutura de governança da Internet e alterar os contornos do CGI.br; ou seja, é imperativo que se defina claramente o que seja o SCI e suas distinções dos serviços de telecomunicações.
Nesse sentido, defendemos que a Internet se compõe das seguintes camadas: A) Infraestrutura de telecomunicações – camada de rede física
B) Padrões técnicos (TCP/IP, DNS, etc) – camada de conexão lógica ("handshake") e transporte de dados
C) Conteúdos e padrões de aplicações - camada de rede de aplicações
Sendo assim, deve-se levar em consideração o que dispõe o art. 61, da Lei Geral de Telecomunicações: “Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações. § 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição. § 2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações”.
Os dispositivos transcritos deixam claro que os serviços de valor adicionado integram uma categoria distinta da categoria telecomunicações.
Ao mesmo tempo, a Norma 4/1995, editada pelos Ministério das Comunicações, Ciência, Tecnologia e Inovação por meio da Portaria 148, estabelece que: Norma 04/1995 – Ministério das Comunicações
- DEFINIÇÕES: Para fins desta Norma são adotadas as definições contidas no Regulamento Geral para execução da Lei nº 4.117, aprovado pelo Decreto nº 52.026, de 20 de maio de 1963, alterado pelo Decreto nº 97.057, de 10 de novembro de 1988, e ainda as seguintes:
a) Internet: nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o "software" e os dados contidos nestes computadores;
B) SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO: SERVIÇO QUE ACRESCENTA A UMA REDE PREEXISTENTE DE UM SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES, MEIOS OU RECURSOS QUE CRIAM NOVAS UTILIDADES ESPECÍFICAS, OU NOVAS ATIVIDADES PRODUTIVAS, RELACIONADAS COM O ACESSO, ARMAZENAMENTO , MOVIMENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE INFORMAÇÕES;
C) SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET (SCI): NOME GENÉRICO QUE DESIGNA SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO, QUE POSSIBILITA O ACESSO À INTERNET A USUÁRIOS E PROVEDORES DE SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES;
D) PROVEDORDE SERVIÇODE CONEXÃOÀ INTERNET (PSCI): ENTIDADEQUEPRESTAO SERVIÇODE CONEXÃOÀ INTERNET;
E) PROVEDORDE SERVIÇO DE INFORMAÇÕES: ENTIDADE QUE POSSUI INFORMAÇÕES DE INTERESSE E AS DISPÕEM NA INTERNET, POR INTERMÉDIO DO SERVIÇO DE CONEXÃOÀ INTERNET;
F) USUÁRIO DE SERVIÇO DE INFORMAÇÕES: USUÁRIO QUE UTILIZA, POR INTERMÉDIO DO SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET, AS INFORMAÇÕES DISPOSTAS PELOS PROVEDORES DE SERVIÇO DE INFORMAÇÕES;
G) USUÁRIO DE SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET: NOME GENÉRICO QUE DESIGNA USUÁRIOS E PROVEDORES DE SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES QUE UTILIZAM O SERVIÇO DE CONEXÃOÀ INTERNET;
h) Ponto de Conexão à Internet: ponto através do qual o SCI se conecta à Internet;
i) Coordenador Internet: nome genérico que designa os órgãos responsáveis pela padronização, normatização, administração, controle, atribuição de endereços, gerência de domínios e outras atividades correlatas, no tocante à Internet; (...)
- SERVIÇO DE CONEXÃO À INTERNET 4.1. Para efeito desta Norma, considera-se que o Serviço de Conexão à Internet constitui-se: a) dos equipamentos necessários aos processos de roteamento, armazenamento e encaminhamento de informações, e dos "software" e "hardware" necessários para o provedor implementar os protocolos da Internet e gerenciar e administrar o serviço; b) das rotinas para a administração de conexões à Internet (senhas, endereços e domínios Internet); c) dos "softwares" dispostos pelo PSCI: aplicativos tais como - correio eletrônico, acesso a computadores remotos, transferência de arquivos, acesso a banco de dados, acesso a diretórios, e outros correlatos -, mecanismos de controle e segurança, e outros; d) dos arquivos de dados, cadastros e outras informações dispostas pelo PSCI; e) do "hardware" necessário para o provedor ofertar, manter, gerenciar e administrar os "softwares" e os arquivos especificados nas letras "b", "c" e "d" deste subitem; f) outros "hardwares" e "softwares" específicos, utilizados pelo PSCI.
Respeitando, então, o poder regulamentar do Ministério das Comunicações, nos termos do art. 87, incs. II e IV, da Constituição Federal, podemos afirmar que a ANATEL tem editado atos que extrapolam sua competência.
Em agosto de 2001 a ANATEL editou a Resolução 272, por meio da qual instituiu o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), cujo art. 3º dispunha:
Art. 3º O Serviço de Comunicação Multimídia é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço. Parágrafo único. Distinguem-se do Serviço de Comunicação Multimídia, o Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC) e os serviços de comunicação eletrônica de massa, tais como o Serviço de Radiodifusão, o Serviço de TV a Cabo, o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e o Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH).
Posteriormente, em maio de 2013, a agência editou a Resolução 614, que alterou a Resolução 272/2001, tendo estabelecido no art. 3º o seguinte: Art. 3º O SCM é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, PERMITINDO INCLUSIVE O PROVIMENTO DE CONEXÃO À INTERNET, UTILIZANDO QUAISQUER MEIOS, a Assinantes dentro de uma Área de Prestação de Serviço. § 1º A prestação do SCM não admite a transmissão, emissão e recepção de informações de qualquer natureza que possam configurar a prestação de serviços de radiodifusão, de televisão por assinatura ou de acesso condicionado, assim como o fornecimento de sinais de vídeos e áudio, de forma irrestrita e simultânea, para os Assinantes, na forma e condições previstas na regulamentação desses serviços. § 2º Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviço com as características do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC), em especial o encaminhamento de tráfego telefônico por meio da rede de SCM simultaneamente originado e terminado nas redes do STFC. § 3º Na prestação do SCM é permitida a implementação da função de mobilidade restrita nas condições previstas na regulamentação específica de uso de radiofrequência.
Ainda que se pudesse admitir, por absurdo, a modificação ou revogação da Norma 04/1995 por norma da ANATEL, o certo é que os arts. 60 e 61, da LGT, constituem-se como obstáculos definitivos para que se inclua as atividades de conexão a Internet como serviço de telecomunicações.
O protocolo IP, o provisionamento e o fornecimento de endereçamento IP, servidor de DNS recursivo e serviço de encaminhamento de pacotes são atividades próprias do serviço de conexão à internet que podem ser desenvolvidas por uma empresa que, mesmo não sendo detentora de infraestrutura de telecomunicações, contrate capacidade de rede para atuar como provedor de serviço de conexão à internet.
Respalda este entendimento recente julgado do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 127978, reafirmando que o SCI é serviço de valor adicionado, não sendo necessária licença ou autorização da ANATEL para explorar este serviço.
Portanto, entendemos que o SCI está regulado não só pela Norma 04/1995, mas também pelo Marco Civil da Internet e pelo Decreto 8.771/2016, estando sujeito à estrutura regulatória configurada nos termos dos arts. 17 e seguintes: Art. 17. A Anatel atuará na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997. Art. 18. A Secretaria Nacional do Consumidor atuará na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 19. A apuração de infrações à ordem econômica ficará a cargo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos da Lei no12.529, de 30 de novembro de 2011. Art. 20. Os órgãos e as entidades da administração pública federal com competências específicas quanto aos assuntos relacionados a este Decreto atuarão de forma colaborativa, consideradas as diretrizes do CGIbr, e deverão zelar pelo cumprimento da legislação brasileira, inclusive quanto à aplicação das sanções cabíveis, mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, nos termos do art. 11 da Lei nº 12.965, de 2014. Art. 21. A apuração de infrações à Lei nº 12.965, de 2014, e a este Decreto atenderá aos procedimentos internos de cada um dos órgãos fiscalizatórios e poderá ser iniciada de ofício ou mediante requerimento de qualquer interessado.
Ou seja, ANATEL, SENACON e CADE, nos limites de suas atribuições legais, de forma colaborativa e considerando as diretrizes definidas pelo CGI.br, é que integram a estrutura regulatória da Internet, garantindo-se que sua governança se dê de forma multiparticipativa, nos moldes do art. 24, do Marco Civil da Internet.
O SCI deve se sujeitar também ao Código de Defesa do Consumidor, já que se trata de relação jurídica que se enquadra nos termos dos arts. 2º e 3º, desta lei.
Além das razões apresentadas acima, entendemos que a separação entre serviços de telecomunicações e serviço de conexão a Internet tem efeitos importantes e positivos para evitar a concentração e a verticalização da prestação de serviços essenciais nas mãos de poucos e poderosos agentes econômicos transnacionais.
No atual cenário, as maiores empresas de telecomunicações, operadoras das redes de transporte, acesso e backhaul, como Telefônica, Oi e Claro, são também as empresas que concentram mais de 83% do mercado de serviço de conexão a Internet. Sendo assim, é pertinente e relevante a defesa de que os serviços de telecomunicações e SCI devam ser distintos e sujeitos a ambientes regulatórios diferentes e específicos.
Aduza-se aos argumentos acima, o fato de que o acesso a Internet implica fortemente direitos fundamentais tais como liberdade de expressão, direito ao livre fluxo de informações, privacidade entre outros, que, para serem devidamente protegidos, demandam ambiente regulatório multissetorial, garantindo-se ampla participação da sociedade, a fim de se viabilizar o controle social de forma efetiva e dar consequência a um processo democrático de edição de normas para o setor.
Portanto, defendemos a premissa da manutenção da distinção entre serviços de telecomunicações e SCI.
Feita esta introdução, passaremos às contribuições seguindo os eixos propostos para a discussão sobre o tema.
II – COMPETÊNCIAS DO CGI.br
O CGI.br foi criado em 1995, por intermédio da Portaria Interministerial 147/1995, editada pelos Ministérios das Comunicações e Ciência, Tecnologia e Inovações, como ação conjunta à definição do SCI pela Portaria Interministerial 148/1995.
A Portaria 147/1995, definiu as seguintes atribuições ao CGI.br: O Ministro de Estado das Comunicações e o Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, no uso das atribuições que lhes confere o artigo 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, e com o objetivo de assegurar qualidade e eficiência dos serviços ofertados, justa e livre competição entre provedores, e manutenção de padrões de conduta de usuários e provedores, e considerando a necessidade de coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, resolvem:
Art. 1°. Criar o Comitê Gestor Internet do Brasil, que terá como atribuições:
I - acompanhar a disponibilização de serviços Internet no país;
II - estabelecer recomendações relativas a: estratégia de implantação e interconexão de redes, análise e seleção de opções tecnológicas, e papéis funcionais de empresas, instituições de educação, pesquisa e desenvolvimento (IEPD);
III - emitir parecer sobre a aplicabilidade de tarifa especial de telecomunicações nos circuitos por linha dedicada, solicitados por IEPDs qualificados;
IV - recomendar padrões, procedimentos técnicos e operacionais e código de ética de uso, para todos os serviços Internet no Brasil;
V - coordenar a atribuição de endereços IP (Internet Protocol) e o registro de nomes de domínios;
VI - recomendar procedimentos operacionais de gerência de redes;
VII - coletar, organizar e disseminar informações sobre o serviço Internet no Brasil; e
VIII - deliberar sobre quaisquer questões a ele encaminhadas.
Posteriormente, foi editado o Decreto 4.829/2003, aperfeiçoando a estrutura do comitê, dispondo sobre a criação do Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI.br e sobre o modelo de governança da Internet no Brasil. Este decreto, além definiu os mecanismos para eleição dos representantes dos setores da sociedade civil e a forma de indicação dos representantes do governo e ampliou as atribuições do comitê: Art. 1° Fica criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI.br, que terá as seguintes atribuições: I - estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil; II - estabelecer diretrizes para a organização das relações entre o Governo e a sociedade, na execução do registro de Nomes de Domínio, na alocação de Endereço IP ( Internet Protocol ) e na administração pertinente ao Domínio de Primeiro Nível ( ccTLD - country code Top Level Domain ), " .br ", no interesse do desenvolvimento da Internet no País; III - propor programas de pesquisa e desenvolvimento relacionados à Internet, que permitam a manutenção do nível de qualidade técnica e inovação no uso, bem como estimular a sua disseminação em todo o território nacional, buscando oportunidades constantes de agregação de valor aos bens e serviços a ela vinculados; IV - promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais, para a segurança das redes e serviços de Internet, bem assim para a sua crescente e adequada utilização pela sociedade; V - articular as ações relativas à proposição de normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades inerentes à Internet; VI - ser representado nos fóruns técnicos nacionais e internacionais relativos à Internet; VII - adotar os procedimentos administrativos e operacionais necessários para que a gestão da Internet no Brasil se dê segundo os padrões internacionais aceitos pelos órgãos de cúpula da Internet, podendo, para tanto, celebrar acordo, convênio, ajuste ou instrumento congênere; VIII - deliberar sobre quaisquer questões a ele encaminhadas, relativamente aos serviços de Internet no País; e IX - aprovar o seu regimento interno.
Foi com estas atribuições que o CGI.br contribuiu intensamente ao longo dos últimos 20 anos para o desenvolvimento da Internet no Brasil de forma sustentada e segura, atuando por intermédio dos departamentos do Núcleo de Informação e Coordenação do .br (NIC.br) – seu braço executivo.
O Nic.br é responsável pelas seguintes atividades:
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Registro.br: responsável por registro de nomes de domínio, a administração e a publicação do DNS para o domínio .br. Realiza ainda os serviços de distribuição e manutenção de endereços na Internet.
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Cert.br: grupo responsável por tratar incidentes de segurança envolvendo redes conectadas a Internet no Brasil. O Centro também desenvolve atividades de análise de tendências, treinamento e conscientização, com o objetivo de aumentar os níveis de segurança e de capacidade de tratamento de incidentes no Brasil;
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Cetic.br: responsável pela produção de indicadores e estatísticas sobre a disponibilidade e uso da Internet no Brasil, divulgando análises e informações periódicas sobre o desenvolvimento da rede no país, contribuindo para a formulação de políticas públicas;
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Ceptro.br: responsável por projetos que visam melhorar a qualidade da Internet no Brasil e disseminar seu uso, com foco nos aspectos técnicos e de infraestrutura. O Ceptro.br gerencia, entre outros projetos, o NTP.br e o IPv6.br;
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IX.br: iniciativa que visa a instalação e operação de pontos de troca de tráfego na Internet e provê a infraestrutura necessária para a interligação direta dos Sistemas Autônomos (ASs) às redes que compõem a Internet. O IX.br colabora para reduzir os custos e melhorar o desempenho das redes participantes e de toda a Internet, seguindo a definição da Internet eXchange Federation. Atualmente, mais de 25% dos ASs brasileiros utilizam o IX.br (PTT.br) para interligarem-se diretamente uns aos outros e com importantes redes internacionais também presentes. A iniciativa abrange 25 Internet Exchanges independentes, distribuídos pelas cinco regiões do país. Um expressivo volume de tráfego, com picos de 1,5 Tbps, flui entre as mais de 1100 redes participantes;
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Ceweb.br: tem como missão disseminar e promover o uso de tecnologias abertas na Web, fomentar e impulsionar a sua evolução no Brasil por meio de estudos, pesquisas e experimentações de novas tecnologias. No escopo de atividades desenvolvidas pelo Centro, destacam-se o estímulo às discussões sobre o ecossistema da Web e a preparação de subsídios técnicos à elaboração de políticas públicas que fomentem esse ecossistema como meio de inovação social e prestação de serviços.
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W3C: Por deliberação do CGI.br, o NIC.br agrega as atividades do escritório do W3C no Brasil - o primeiro na América do Sul. O W3C é um consórcio internacional que tem como missão conduzir a Web ao seu potencial máximo, criando padrões e diretrizes que garantam sua evolução permanente. Mais de 80 padrões foram já publicados, entre eles HTML, XML, XHTML e CSS. O W3C no Brasil reforça os objetivos globais de uma Web para todos, em qualquer dispositivo, baseada no conhecimento, com segurança e responsabilidade.
Paralelamente a todas as atividades descritas acima, o CGI.br editou o Decálogo de Princípios para a Governança da Internet, por meio da Resolução 2009/003 , que orientou o estabelecimento de direitos e diretrizes para o ambiente da Internet pela Lei 12.965, de abril de 2014 – o Marco Civil da Internet (MCI), que também estabeleceu novas atribuições ao comitê, assim como o Decreto 8.771/2016, que veio regulamentar esta lei.
Ou seja, o MCI, assim como o Decreto 8.771/2016 trouxeram novas atribuições para o CGI.br, reconhecendo que a governança da Internet deve se dar por mecanismos multiparticipativos e que o CGI.br deve participar da definição das diretrizes estratégicas para o desenvolvimento e uso da Internet no Brasil (art. 24 MCI), além das atribuições relativas especificamente a neutralidade da rede e padrões técnicos para a segurança da guarda e tratamento de dados pessoais.
Entendemos que as normas em vigor já conferem ao CGI.br atribuições suficientes e atualizadas com as demandas da sociedade e do mercado para atender a forte dinâmica dos serviços e temas relacionados a Internet.
Portanto, além de não ser necessário acrescentarem-se novas competências, não se deve reduzir nenhumas das atribuições já em vigor.
III – PARTICIPAÇÃO E TRANSPARÊNCIA
Entendemos que, como decorrência do desenvolvimento do uso da Internet e da importância deste espaço para o exercício de direitos fundamentais como a liberdade de expressão, direito à informação ampla, bem como do crescimento e fortalecimento de novos atores nesse cenário, é pertinente a intenção de remodelar a estrutura do CGI.br de modo a viabilizar uma maior participação da sociedade civil.
Seguem, assim, nossas propostas:
Sobre o Pleno A despeito de defendermos a ampliação de mecanismos de participação da sociedade civil na estrutura de governança do CGI.br, defendemos que o pleno do comitê, propriamente dito, merece revisão, mas não no que diz respeito ao número de cadeiras.
Considerando que o CGI.br é um espaço fundamental para que os diversos setores ali representados tirem decisões preferencialmente por consenso, de modo a pacificar interpretações sobre direitos e outros aspectos afetados por sua atuação, bem como comprometer as partes com as decisões editadas por Resoluções, entendemos que a ampliação de cadeiras nesta instâncias comprometerá os processos e, consequentemente, sua finalidade.
Defendemos, portanto, que o Pleno do CGI.br deve ser mantido com 21 cadeira com participação paritária com 5 cadeiras para cada setor e 1 cadeira para o Presidente do NIC.br, deixando esta vaga de ser ocupada por indicado de notório saber, da seguinte forma:
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5 cadeiras para o governo, sendo que 3 seriam destinadas obrigatoriamente ao MCTIC, ANATEL e Ministério da Justiça (MJ), tendo em vista o que dispõem os arts. 17 e seguintes do Decreto 8.771/2016, que tratam da Fiscalização e Transparência dos direitos e obrigações estabelecidos com o MCI. De acordo com estes dispositivos, estão envolvidos na estrutura de governança da Internet, no limite de suas atribuições, a ANATEL, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor e o Conselho Administrativo de Direito Econômico. Além disso e tendo em vista a dimensão internacional da governança da Internet, também deve ter assento nas vagas do governo o Ministério das Relações Exteriores.
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5 cadeiras para o setor empresarial, sendo que a cadeira adicional às 4 hoje existentes seria reservada para os provedores de aplicações e conteúdos;
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5 cadeiras para a academia, destinando-se a representantes tanto das ciências humanas, quanto das ciências exatas;
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5 cadeiras para o 3º Setor;
Propomos, ainda, que a coordenação do comitê seja decorrência de um processo eletivo interno, a ser definido, ao próprio órgão, deixando de ser a vaga reservada exclusivamente a um representante do governo.
Para se levar à consequências práticas a governança multissetorial e democrática, como está estabelecida no MCI (art. 24, inc. I) ao tratar da atuação dos Poderes Públicos, é necessário que a coordenação do comitê se alterne entre os diversos setores, a fim de evitar a predominância de posições governamentais.
O objetivo é evitar o que vem ocorrendo com a formação do CGI.br atualmente em vigor; hoje, das 21 cadeiras, 9 são do governo que, frequentemente se associa com parcela dos representantes de empresas, e termina por influenciar de forma distorcida o caráter multissetorial do comitê.
Ampliação da participação – estrutura do CGI.br Entendemos, repita-se, que a oportunidade de revisão da estrutura do CGI.br deve ser aproveitada para ampliar a participação de agentes interessados no desenvolvimento e regulação da Internet.
Nessa direção, nossa proposta vai apoiada nos seguintes princípios, que encontram respaldo tanto no Decálogo de Princípios para a Governança da Internet, quanto na Declaração de São Paulo , resultado do Net Mundial, ocorrido no Brasil em abril de 2014 sob a coordenação do CGI.br, com a participação e consenso de mais de 110 países:
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Estrutura multissetorial, com representação dos diversos setores em pé de igualdade, nos termos da declaração Net Mundial;
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Funcionamento bottom-up, democrático e colaborativo guiado por processos de construção de consenso;
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Abertura e transparência;
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Pluralidade, diversidade e respeito aos direitos humanos e ao MCI;
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Preservação da funcionalidade, da estabilidade e da segurança da Internet;
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Respeito e alinhamento de qualquer ação à duração do mandato vigente da composição atual do CGI.br, com mandato de 2017 a 2019.
Sendo assim, propomos uma estrutura institucional formada por quatro instâncias de participação, quais sejam:
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O Pleno do comitê, com 21 cadeiras de representação, conforme item acima, apoiado por uma Secretaria Executiva;
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Instância multissetorial, intermediária entre os 4 grupos de representação, onde serão organizados os temas e pautas de diálogo. Propomos que esta instância desempenhe a atividade de fluxo de informação, temas e pautas entre o Pleno e os grupos setoriais;
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Instância formada por 4 grupos de representação: a) setor público, e não exclusivamente governamental, permitindo o envolvimento não só de atores do Poder Executivo Federal, mas também de diversas esferas do Poder Público interessadas na governança da Internet; b) setor empresarial; c) setor acadêmico e d) 3º setor, dos quais farão parte 5 representantes indicados pelo respectivo grupo da base dos representantes por setor;
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Na base da estrutura, propomos a existência de grupos, seguindo a mesma classificação setorial, com participação aberta a todos os interessados, pessoas físicas ou jurídicas, inscritos de acordo com regras a serem definidas, funcionando como assembleias gerais. Desta base serão indicados e eleitos os representantes que participarão das camadas superiores.
Todas as 4 instâncias devem contar com o apoio de assessoria técnica, a fim de que sejam mantidos espaços presenciais ou virtuais permanentes, para viabilizar uma dinâmica na discussão de temas e a transparência quanto ao resultado dos processos.
As instâncias de estrutura de participação terão os custos de funcionamento integrados no orçamento global do CGI.br.
Transparência Com relação à transparência, entendemos que a estrutura proposta acima, por si só, já amplia o grau de transparência sobre a atuação do CGI.br.
Com relação ao NIC.br, entendemos ser importante a integração dos processos de definição de atividades pelas diversas diretorias, com a atividade dos grupos relativos a cada instância. Propomos que cada grupo conte com um representante do NIC.br.
Propomos, ainda, que ao final de cada ano as propostas de atividades mínimas previstas para os diversos departamentos do NIC.br para o ano seguinte sejam publicadas, com o objetivo de envolver os setores interessados, assim como um relatório anual com prestação de contas.
Outro elemento primordial para a transparência da atuação do CGI.br é que todas as reuniões sejam transmitidas por streaming.
IV – ELEIÇÕES E MANDATOS
Formação dos Colégios Eleitorais Há um reconhecimento geral de que o modo de formação dos colégios eleitorais, como vem se dando tem propiciado distorções indesejadas que podem comprometer a legitimidade do processo.
Para minimizar as distorções, propomos que a formação do dos colégios eleitorais esteja relacionada com a instância de base da estrutura de governança.
Como desdobramento desta proposta, não haveria um prazo específico para inscrição para integrar os colégios eleitorais, na medida em que os integrantes dos grupos de base já comporiam automaticamente os respectivos colégios eleitorais, sendo que, em anos de eleições, o ingresso nos grupos se encerraria três meses antes da abertura da votação.
Propomos, ainda, que seja conferindo maior peso ao voto das entidades que atuem efetiva e permanentemente pelo prazo de pelo menos 2 anos nos grupos setoriais.
É importante frisar nosso entendimento no sentido de que a inscrição nos grupos setoriais/colégios eleitorais não deve ficar limitada a entidades cuja finalidade esteja diretamente relacionada a Internet, dadas a centralidade e a importância transversal para qualquer atividade que o acesso a Internet tem hoje.
Propomos, ainda, a ampliação dos critérios para admitir entidades relacionadas ao setor acadêmico, de modo a viabilizar, por exemplo a participação de universidades, de entidades de acadêmicos e de think tanks, por exemplo.
Limite para reeleição Propomos também que os representantes não possam participar de mais de dois processo eleitorais consecutivos, restringindo-se a representação a dois mandatos no máximo, com o objetivo de ampliar o envolvimento, a contribuição e a capacitação de múltiplos atores com a governança da Internet.
Número de votos Propomos, por fim, a volta ao sistema que sempre foi aplicado nas eleições do CGI.br, alterado na última eleição de 2016, garantindo que cada entidade votante possa votar em 5 candidatos.
Autonomia do processo eleitoral Considerando que apenas os membros da sociedade civil são eleitos, tendo em vista que os representantes do governo são indicados, defendemos que a da comissão eleitoral constem na maioria representantes da sociedade civil e, além disso, que encerrado e homologado o processo eleitoral, os eleitos possam atuar independente de ato do Poder Executivo.
V – CONCLUSÃO
Destacamos, por fim, que nossas propostas foram construídas em processo de debates entre as entidades da Coalizão Direitos na Rede.
Esperando estar contribuindo para o aperfeiçoamento da estrutura de governança da Internet no Brasil, a PROTESTE se coloca a disposição para esclarecimentos.
Flávia Lefèvre Guimarães Conselho Consultivo da PROTESTE Representante do 3º Setor no CGI.br