O confronto político desvendado

O confronto político desvendado

31 de janeiro de 2025

O alinhamento das chamadas bigtechs com a ultradireita revelou-se de forma clara, e muito oportuna, não só com a recente declaração de Zuckerberg - CEO da Meta, anunciando alterações em suas políticas de moderação de conteúdos, mas também com a fotografia do dia da posse de Donald Trump, que rodou o mundo, trazendo em posição de destaque os representantes das maiores empresas de tecnologia que exploram serviços na Internet, com poder de mercado inimaginável há poucos anos atrás.

Não só isso, Elon Musk, dono da Starlink, SpaceX, Tesla, Neuralink e X/Twitter, para além de ter se tornado cabo eleitoral e financiador da campanha de Trump, agora faz parte do governo estadunidense, com forte influência sobre o Presidente Trump, usando seus poderes para apoiar de forma aberta partidos de ultradireita, o que se constatou quando participou por vídeo conferência de comício da AfD - partido nazista alemão, agora em janeiro, afirmando que este partido seria a melhor esperança para o país, que tem eleições agora no próximo mês de fevereiro.

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Olhando para esse cenário, publiquei artigo no dia 15 de janeiro na coluna do Mobile Time, tecendo considerações sobre a nova política de conduta de ódio da Meta e festejando o fato de o Governo Lula ter reagido rapidamente ao ato político de confronto encabeçado por Zuckerberg, por intermédio da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, que integra a Advocacia Geral da União (AGU), interpelando a empresa sobre os impactos das mudanças anunciadas no Brasil.

Além de interpelar por notificação extrajudicial a Meta, o Governo, por meio de secretarias da Presidência da República e do Ministério da Justiça, instalou audiência pública convidando diversos representantes de organizações da sociedade civil, universidades, empresas jornalísticas de checagem e as principais bigtechs que atuam no Brasil. A audiência ocorreu no último dia 22 de janeiro e, dobrando a aposta numa postura de confronto às autoridades brasileiras, as empresas, todas as estadunidenses e a chinesa TikTok, simplesmente não compareceram.

Na abertura da audiência pública, o Ministro Jorge Messias da AGU, apesar da ausência afrontosa das bigtechs, disse que o diálogo continuará aberto com essas empresas e que as contribuições que fossem apresentadas durante o evento seriam encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal, onde está em curso o julgamento sobre a constitucionalidade do art. 19, do Marco Civil da Internet, com implicações diretas sobre o regime de responsabilidade das plataformas que atuam na Internet e sobre o exercício do direitos de liberdade de expressão.

No final da audiência, João Brant - Secretário de Políticas Digitais, que integra a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, afirmou que as contribuições seriam também utilizadas para orientar atuações administrativas envolvendo o tema, o que seria de fato muito importante, pois a participação das entidades que compareceram na audiência foi altamente qualificada e demonstrou que a nova política sobre conduta de ódio da Meta já vem surtindo efeitos deletérios, por ataques à dignidade humana e à instituições.

Sendo assim e considerando fatos graves, ocorridos recentemente com suporte das plataformas de redes sociais, como foi a vasta campanha desinformativa lançando dúvidas com relação à possível cobrança de tributos sobre o PIX, que têm impactado negativamente políticas públicas e causado desespero nas camadas de mais baixa renda da população, é imprescindível que a Secretaria de Políticas Digitais, com as atribuições estabelecidas pelo art. 23, do Decreto 11.362/2023, estando expresso o seu poder para "formular e implementar políticas públicas para promoção da liberdade de expressão, do acesso à informação e de enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na Internet, em articulação com o Ministério da Justiça e Segurança Pública", junto com a Secretaria de Direitos Digitais e com a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, fazendo uso do que está disposto no Decreto 2.181/1997, que dispõe sobre o Sistema Nacional do Consumidor, convoquem a Meta, com vistas a se chegar num termo de ajustamento de conduta, tendo em vista a gravidade de sua nova política de moderação de conteúdos e seus impactos que já se sentem, como foi relatado por diversas organizações e empresas jornalísticas na audiência pública ocorrida no último dia 22 de janeiro.

Entretanto, ao que tudo indica, existe uma tendência no Governo de tirar das mãos do Ministério da Justiça a adoção de medidas cabíveis, no sentido de chamar a Meta para adequar suas novas práticas à legislação brasileira, sob o fragilíssimo, espantoso e lamentável argumento de que enquadrar a empresa neste momento poderia soar como confronto ao Governo dos EUA, e de que, neste momento, é necessário cautela para evitar acirramento de ânimos entre os dois países.

Caso esta tendência se confirme, só posso lamentar a postura rebaixada do Governo frente à imprescindível defesa de nossa soberania, especialmente na atual conjuntura com perspectivas tão desafiadoras para a reeleição do Presidente Lula em 2026 ou de outro candidato indicado por ele.

Nesse cenário, chamou muito a atenção a notícia de que o Partido dos Trabalhadores convocou a Meta para treinar seus dirigentes sobre estratégias em redes sociais, numa postura no mínimo errática, que termina por fortalecer um sistema que tem operado há anos para dar suporte para campanhas desinformativas financiadas pela direita, desestabilizando a democracia do país, interferindo de forma artificial e ilegal na configuração da representação política no Congresso Nacional, além de estimular discursos de ódio e retrocessos nos direitos fundamentais.

Segue então o texto publicado no Mobile Time, com os comentários sobre as assintosas políticas de conduta de ódio adotadas pelo sistema de moderação de conteúdos da Meta, que atentam contra nosso arcabouço legal.

O confronto político desvendado

No último dia 7 de janeiro, Mark Zuckerberg – dono da Meta, que opera as plataformas Facebook, Messenger, WhatsApp, Instagram e Threads, alcançando mais de 130 milhões de usuários no Brasil, anunciou duas mudanças radicais nas diretrizes adotadas para a moderação dos conteúdos que trafegam em seus sistemas, capazes de trazer consequências graves com estímulo à desinformação, discursos de ódio e desrespeitos a direitos humanos.

As principais mudanças anunciadas foram o fim das parcerias com empresas de jornalismo para a verificação de fatos e o foco dos seus mecanismos verificadores de conteúdos, que passarão a atuar apenas diante de violações de alta gravidade, sendo que nos casos considerados pela Meta de menor gravidade a moderação do conteúdo dependerá de denúncias e interferências feitas pelos usuários das plataformas.

Para piorar o cenário e pondo em prática as novas diretrizes, na versão publicada pela Meta da tradução de sua política de transparência no mesmo dia do anúncio feito por Zuckerberg, apesar de afirmar que não permite condutas de ódio no Facebook, no Instagram e no Threads, declara que “alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual, considerando discursos políticos e religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade” estão permitidas.

Tem ainda a audácia de informar que define como conduta de ódio o ataque direto a pessoas “e não a conceitos e instituições, baseado no que chamamos de características protegidas: raça, etnia, nacionalidade, deficiência, religião, casta, orientação sexual, sexo, identidade de gênero e doença grave” e segue dizendo que: “às vezes, as pessoas usam linguagem específica de sexo ou gênero para discutir o acesso a espaços geralmente restritos por essas categorias, como banheiros, escolas, cargos militares, policiais ou de ensino, além de grupos de saúde ou apoio. Em outros casos, solicitam exclusão ou recorrem a linguagem ofensiva ao abordar tópicos políticos ou religiosos, como direitos de pessoas transgênero, imigração ou homossexualidade. Também é comum que xingamentos a um gênero ocorram no contexto de separações amorosas”, assumindo que “nossas políticas foram criadas para dar espaço a esses tipos de discurso”.

Para além do texto confuso e do vasto campo de subjetividade que se abre com as práticas a que se propõe, a política adotada pela empresa afronta indiscutivelmente padrões de dignidade da pessoa humana, de segurança e de democracia estabelecidos por várias de nossas leis, como a Constituição Federal, o Código do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Eleitoral, diversos dispositivos do Código Penal entre outras.

Importante destacar que a manifestação de Zuckerberg desvenda o caráter político da atuação da sua empresa, que não está comprometida apenas com o lucro; atua, assim como outras empresas estadunidenses de tecnologia, como braço do neoliberalismo e suporte dos Estados Unidos nas disputas no cenário da geopolítica.

O anúncio da Meta feito por Zuckerberg por vídeo onde ele declara expressamente que está alinhado com o Governo Trump, deixa evidente sua resistência à dinâmica global de regulação estatal das plataformas que exploram serviços na Internet e das novas tecnologias, apoiada por documento originado das discussões recentes no G20, na medida em que, segundo ele, estas iniciativas significam censura e violações à liberdade de expressão, chegando a criticar a atuação de tribunais da América Latina, desrespeitando a jurisdição e a soberania dos países.

Diante da gravidade do teor do discurso de Zuckerberg, o Governo brasileiro agiu rápido e de forma proporcional, por intermédio da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – órgão vinculado à Advocacia Geral da União (AGU) que, depois de reunião convocada pelo Presidente Lula com diversos ministros, ainda no dia 10 de janeiro, enviou a Meta notificação extrajudicial, interpelando a empresa a respeito da aplicação dessas novas diretrizes de moderação de conteúdo no Brasil, dando o prazo de 72 horas para a resposta.

A resposta da Meta chegou no prazo e a AGU divulgou Nota sobre ela no dia 14 de janeiro e concordo que, diferentemente do que muitos têm interpretado, a Meta, de forma indireta, reafirmou sua intenção de confrontar as leis brasileiras, sob a falsa justificativa de defesa da liberdade de expressão.

É surpreendente a informação trazida na resposta de que “as mudanças anunciadas pela empresa relativas à Política de Conduta de Ódio já foram implementadas no Brasil com o “objetivo de garantir maior espaço para a liberdade de expressão (…) e permitir um debate mais amplo e conversa sobre temas que são parte de discussões em voga na sociedade”.

E sobre o fim de contrato com empresas de fact checking a resposta informa que, por enquanto, esta medida está restrita aos Estados Unidos.

Portanto, correta a avaliação da Nota da AGU quando declara o seguinte:

“Alguns aspectos constantes no documento da Meta causam grave preocupação na AGU e em órgãos do governo federal. Especialmente a confirmação da alteração e adoção, no Brasil, da Política de Conduta de Ódio que, à toda evidência, pode representar terreno fértil para violação da legislação e de preceitos constitucionais que protegem direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

As informações prestadas pela Meta também contrariam afirmações realizadas pela empresa em recentes manifestações proferidas no curso da discussão sobre o Marco Civil da Internet, no âmbito de processos em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em tais manifestações, representantes da empresa asseguraram que as então políticas de governança de conteúdo eram suficientes para a proteção dos direitos fundamentais dos usuários”.

A preocupação se justifica e fatos recentes corroboram esta preocupação. É o caso da enxurrada de posts por usuários da ultradireita comemorando o ataque a tiros no assentamento Olga Benário do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Tremembé no dia 13 de janeiro, que culminou com duas mortes e mais outros feridos, sem nenhuma interferência da Meta diante da incitação ao crime de homicídio, muito provavelmente com base na nova política sobre conduta de ódio que não considera os ataques a conceitos ou instituições como desrespeito aos termos de sua política contra conduta de ódio.

Ou seja, a Meta já está aplicando a nova política, em inadmissível desrespeito às leis brasileiras, o que motivou a AGU, como informado na Nota divulgada no dia 14 de janeiro a, junto com os Ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), realizar na semana do dia 20 de janeiro audiência pública para “discutir os efeitos da nova política implementada pela Meta, o dever de cuidado das plataformas digitais, os riscos da substituição do Programa de Verificação de Fatos no exterior e as medidas a serem adotadas com o objetivo de assegurar o cumprimento da legislação nacional e a proteção de direitos”, com a participação de “órgãos governamentais e entidades da sociedade civil que lidam com o tema das redes sociais. Também serão convidados especialistas, acadêmicos e representantes das agências de checagem de fatos”.

Espero que o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br seja envolvido nas discussões que o Governo vier a adotar para enfrentar o poder econômico e político inédito que as plataformas da Meta desempenham no Brasil, assim como outras plataformas, como Youtube, do Google, o X de Elon Musk entre outras, dando concretude à governança multissetorial, como está expresso no art. 24, do Marco Civil da Internet. Além disso, é importante que o Governo reconheça o papel histórico que o CGI.br, junto com o NIC.br – seu braço executivo, tem tido para o desenvolvimento da governança da Internet no Brasil.

Estas últimas iniciativas do Governo são demonstrações importantes de compromisso com a segurança, com a democracia e com a defesa de nossa soberania, que devem ser aplaudidas. Esperamos que este seja um primeiro passo no sentido de se adotarem medidas institucionais urgentes, voltadas para reduzir a enorme dependência dos cidadãos brasileiros das aplicações da Meta que, ao longo dos últimos anos, têm desempenhado papel determinante para o crescimento da desinformação, proliferação de discursos de ódio nas redes, desorganização dos processos políticos e prejuízos de ordem social e psicológica para crianças e adolescentes e às políticas de saúde pública, como assistimos desde as eleições de 2018, de 2022 e no período da COVID 19, quando veiculou em larga escala conteúdos desincentivando a vacina.

Imagens: Capa - https://www.businessinsider.com/mark-zuckerberg-donald-trump-moderation-2025-1 Elon Musk no comicio AfD - https://theconversation.com/the-far-right-is-rising-at-a-crucial-time-in-germany-boosted-by-elon-musk-247895