Elon Musk, Twitter, a Liberdade e o Liberalismo

Elon Musk, Twitter, a Liberdade e o Liberalismo

18 de abril de 2022

É sintomático que Elon Musk queira se apropriar do discurso da liberdade de expressão para justificar sua intenção de passar a titular do controle acionário do Twitter, mas que, ao mesmo tempo, no seu discurso não haja traços de preocupação com o valor da igualdade. E é compreensível pois, na verdade, o que ele defende é o liberalismo e não a liberdade de expressão, dois conceitos bem diferentes e que não se confundem.

Ontem o Brasil de Fato publicou artigo que escrevi com reflexões a respeito do caso.

O site também publicou matéria do Glauco Faria sobre o assunto - Quais os possíveis impactos do Twitter sob controle de Elon Musk?, entrevistando o Prof. Sérgio Amadeu, valendo o destaque do seguinte trecho:

Segundo o sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador das redes digitais Sergio Amadeu, o objetivo de Musk é formar um truste (união de empresas sob a mesma organização para dominar determinados setores) digital. "A proposta bastante agressiva de adquirir o controle total do Twitter vem no sentido de conseguir ter uma rede social de relevância. Na verdade, Musk percebeu o que outros como Jeff Bezos (Amazon), Microsoft e Apple já tinham percebido, as grandes 'big techs' tentam ser plataformas que atuam nas mais diversas áreas", explica. "O Google, por exemplo, saiu de um mecanismo de buscas para adquirir um repositório de vídeos; depois, já era importante na máquina de e-mails, foi comprando outros coisas e se torna um importante truste digital. Todas essas grandes empresas de tecnologia tentam ser cadeias complexas que organizam diversas plataformas e muitas delas dominam mercados específicos."

Transcrevo abaixo a íntregra do meu artigo:

A intenção de Elon Musk, um dos homens mais ricos do planeta e que já domina setores do mercado relacionados com tecnologia e inteligência artificial, de adquirir o controle acionário do Twitter – plataforma com papel importante nas praças públicas de debates políticos em diversos países – se revela como um problema.

Trata-se de um dos representantes máximos do neoliberalismo e o fato é que essas figuras, com o objetivo claro de ampliar suas riquezas e seus poderes, vêm se utilizando com frequência do discurso da defesa da liberdade, com consequências graves e com o acirramento profundo das desigualdades, que é um dos resultados do neoliberalismo.

Na proposta que encaminhou para aquisição do controle acionário do Twitter, Elon Musk deixa claro que pretende transformar a empresa em sociedade de capital fechado, demonstrando a intenção de não ter de se submeter a decisões colegiadas de um conselho de acionistas e a limites legais que são mais rigorosos para sociedades capital aberto.

Ele também é explícito quanto à sua oposição com relação às práticas de moderação de conteúdo pelas plataformas e à regulação estatal sobre este tema, sob o argumento de ser defensor da liberdade de expressão. Dessa sua posição emerge uma contradição clara: quando não há limites para a manifestação do pensamento, abre-se espaço para que prevaleça o interesse dos economicamente mais poderosos ou politicamente mais organizados, que terminam por exercer a liberdade de expressão de forma privilegiada.

É sintomático que ele tente se apropriar do discurso da liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo não haja traços no seu discurso de preocupação com o valor da igualdade. E é compreensível pois, na verdade, o que ele defende é o liberalismo e não a liberdade de expressão, dois conceitos bem diferentes e que não se confundem.

Nesse sentido, é importante ter presente que liberdade e igualdade muitas vezes são conceitos antitéticos, como bem tratado por Fábio Ulhoa Coelho e seu mais recente livro Os livres podem ser iguais?, considerando também que: “o que precisamos discutir não é qual valor, entre a liberdade e a igualdade, que deveria sempre prevalecer; e sim quais são os critérios que devem nortear nossos constantes ajustes entre eles. É uma discussão bem mais difícil”.

Aliás, uma das consequências do liberalismo levado às últimas instâncias, como temos vivido nos últimos mais de 20 anos, é justamente uma enorme desigualdade, especialmente quanto ao exercício da liberdade de expressão e de direitos sociais e políticos.

Vale perguntar então: quem domina hoje os mecanismos do fluxo de informação no planeta? As big techs, empresas americanas e poderosas, que, atuando como oligopólios globais, com bilhões de usuários aderidos às suas plataformas, têm causado danos em larga escala nos sistemas políticos e democráticos de diversos países. Aplicam seus sistemas algorítmicos calibrados com foco no lucro decorrente de processos de impulsionamento pago de conteúdos, propagandas comerciais e políticas, mecanismos de censura baseada na alegada defesa de direitos autorais e de recomendação, muitas vezes conflitantes com o interesse público, com direitos fundamentais, sem respeito aos princípios da dignidade humana e sem a garantia da devida segurança de seus consumidores.

A intenção do Elon Musk de adquirir o controle do Twitter deveria ser avaliada e resolvida com base nessas preocupações e na premissa de que nem sempre liberalismo, liberdade e igualdade estão em harmonia, demandando atuação estatal para que se chegue ao equilíbrio possível.

Entretanto, isto é improvável; a despeito de vivermos num momento de declínio do neoliberalismo por conta dos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19, ele ainda prevalece nas instâncias institucionais de diversos países, especialmente nas que (des)regulam a exploração de atividades econômicas.

Portanto, acredito que será um grande prejuízo para o mercado de redes sociais e da comunicação, com reflexos negativos para a liberdade de expressão e para a democracia, caso o Twitter venha a ser “comprado” por Elon Musk.