7 de junho de 2022
Na 12ª. edição do Fórum da Internet no Brasil, organizado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o Instituto Iris apresentou a proposta de workshop com o tema “Construindo uma estratégia de inclusão digital em tempo real”, que aconteceu no último dia 1 de junho e a íntegra dos debates está acessível no canal do Nic.br no Youtube por este link. Minha participação na mesa foi para tratar de como se configuraram as políticas públicas de conexão das escolas. Seguem abaixo o texto da apresentação.
Antes de tratar especificamente das políticas públicas de conexão das escolas acredito ser importante fazer uma introdução destacando que a primeira política pública especificamente dirigida para a conexão de escolas públicas a banda larga foi estabelecida apenas em 2008, sendo que a privatização do Sistema Telebrás se deu em julho de 1998.
O MODELO NEOLIBERAL DE PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRAS
Na ocasião em que se definiu o modelo de privatização do Sistema Telebrás, a sociedade da informação já se anunciava de forma claríssima e, portanto, o modelo regulatório desenhado para o setor de telecomunicações já deveria ter sido formatado de modo a garantir investimentos nos serviços de dados em regime público, de modo a garantir que o Estado estaria diretamente implicado em atuar para expandir a infraestrutura necessária para os serviços de dados e o acesso na ponta para os cidadãos como um todo em caráter universal.
Entretanto, a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, estabeleceu um modelo de regulação com base em dois regimes, o público e o privado, sendo que apenas a telefonia fixa ficou no regime público, com metas de universalização e continuidade, controle tarifário e com o Estado responsável pelo acesso.
Tendo em vista que em 2005 a primeira fase dos contratos de concessão da telefonia fixa venceria, com o cumprimento das primeiras metas de universalização, foi editado o Decreto 4.733/2003, definindo novas diretrizes para as políticas públicas de telecomunicações. Apesar de o decreto ter introduzido a previsão de “garantia do acesso a todos a Internet (art. 4º)”, o Poder Executivo perdeu a oportunidade de estender o regime público à infraestrutura de banda larga para acesso a Internet, como teria sido possível, tendo em vista o que já estava expresso na LGT (art. 18, inc. I). Os contratos de concessão foram prorrogados em janeiro de 2006, então, mantendo apenas a telefonia fixa, com termo final estabelecido para 2025.
Consequentemente, os recursos recolhidos por intermédio do Fundo de Universalização de Telecomunicações (FUST), que só poderiam ser aplicados em serviços prestados em regime público, nos termos da Lei 9.998/2000, não puderam ser utilizados para investimentos em infraestrutura para dar suporte a Internet fosse pela banda larga ou pela telefonia móvel, pois ambos os serviços permaneceram no regime privado.
Faço esta introdução pois, caso o modelo para o setor e os contratos de concessão tivessem incorporado a evidente demanda de infraestrutura de redes para os serviços de dados desde aquela época, não teria sido necessária a definição de programas específicos para a conexão de escolas, pois o Estado poderia ter definido metas de universalização, impondo as regiões e localidades e o cronograma para os novos investimentos.
Mas o governo neoliberal do Presidente Fernando Henrique Cardoso preferiu transferir para as empresas privadas a tarefa de garantir acesso a Internet, na crença de que o mercado daria conta de massificar os serviços de dados, o que obviamente não aconteceu. O cenário que temos hoje é uma distribuição de infraestrutura antidemocrática e que privilegia regiões e localidade com concentração de consumidores de alta renda.
Portanto, os problemas que enfrentamos hoje para financiar os investimentos necessários para a implantação de redes de suporte aos serviços de dados, revelam injustiça social inadmissível, dado o grande sacrifício feito pelos consumidores pobres e ricos dos serviços de telecomunicações desde 2001 pagando o FUST e encargos tributários na fatura que superam 40%, sem que esse esforço tenha sido revertido em benefício do país, por conta do descompromisso do Poder Executivo com a demanda brasileira por acesso a Internet.
Levantamento importante do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que menos de 1% do que pagamos ao FUST foi utilizado em políticas públicas de telecomunicações; os recursos foram reiteradamente contingenciados pelo governo federal. Os entraves e o descompromisso do Poder Executivo desde o início das privatizações para o uso do FUST e para a universalização do acesso estão sobejamente tratados do Acórdão proferido no processo TC-010.889/2005-5, também no TCU.
O PLANO DE BANDA LARGA NAS ESCOLAS
Nesse cenário surge em abril de 2008 o Programa Banda Larga na Escola, por meio do Decreto 6.424 que alterou o segundo Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime Público (PGMU). O governo Lula impôs a conexão das escolas públicas urbanas em banda larga como contrapartida à troca proposta pelas teles: ao invés das metas de investimento inicialmente previstas como Postos de Serviços de Telecomunicações, estabeleceram-se metas de implantação de redes de acesso a Internet – backhaul.
A meta estabelecida foi a instalação de infraestrutura de rede para suporte a conexão a Internet em alta velocidade em todos os municípios brasileiros e conectar todas as escolas públicas urbanas até o ano de 2010 mantendo o serviço sem ônus até 2025.
Deveriam ser conectadas escolas públicas urbanas de nível fundamental e médio sob administração das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, de todo o país, escolas públicas de formação de professores, bem como os polos da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE) e Núcleos de Tecnologia Municipal (NTM). As escolas rurais ficaram para fora deste programa, havendo a previsão de que seriam atendidas pelo GESAC, outro programa público.
Ficou estabelecido que até 2010 as conexões deveriam ter a velocidade de 1 Megabit por segundo (Mbps) para download, e pelo menos um quarto dessa velocidade para upload e, a partir de 2011, a velocidade de conexão para download deveria obrigatoriamente ser ampliada para o mínimo de 2 Mbps, ou a maior velocidade comercial disseminada e disponível oferecida pela operadora na região da escola.
O PBLE nem de longe cumpriu as metas. Estudos recentes realizados pelo Clube de Engenharia no Rio de Janeiro e pelo NIC.br mostram que as metas não foram cumpridas.
Outro estudo importante, divulgado pela MEGAEDU no último mês de abril apontou, com base em dados do MEC, das pesquisas de acesso do CETIC.br do CGI e da ANATEL o seguinte:
Essa realidade teve efeitos extremamente negativos e determinantes para milhões de estudantes brasileiros a partir do isolamento social ocorrido por conta da pandemia, somado a baixa penetração do acesso a Internet nas classes C, D e E, que acessam a Internet principalmente pela rede móvel, com planos pré-pagos, com franquias mensais de dados baixíssimas, que na média não ultrapassam 3 Gb e que, depois de utilizadas, só dão acesso ao Facebook e ao WhatsApp. As pesquisas da TIC Domicílios do CETIC.br revelam a enorme desigualdade do acesso para os cidadãos de baixa renda. Este quadro levou a que o Congresso Nacional se mobilizasse para aprovar a Lei 14.172, de junho de 2021, vetada pelo Pr Bolsonaro e com a derrubada do veto pelo Congresso Nacional.
A Lei prevê a transferência, em parcela única, de R$ 3.501.597.083,20 aos Estados e ao Distrito Federal, pela União, para aquisição de soluções para a garantia do acesso à internet, com fins educacionais, aos alunos e aos professores das redes públicas de ensino, em virtude da calamidade pública decorrente da Covid-19. O repasse deveria acontecer em até 30 dias da data de publicação da Lei no Diário Oficial da União, o que corresponderia ao dia 11 de julho de 2021.
Ocorreu que o Presidente Bolsonaro ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade e o I. Ministro Luiz Fux atendeu o pedido liminar, estendendo o prazo previsto na Lei 14.172/2021, por mais 25 dias, atrasando o repasse dos recursos públicos para os Estados. Apesar de decisão posterior do STF redefinindo a data para o repasse para este ano, o fato é que até hoje os recursos não chegaram nos estados e municípios.
Diante da situação de baixa conectividade das regiões e localidades não atendidas por infraestrutura, a lei do FUST foi alterada para permitir que os recursos possam ser aplicados também em serviços prestados em regime privado, como é o caso até hoje da banda larga e da conexão a Internet pela rede móvel. Nesta atual versão da lei incluiu-se a previsão de conexão das escolas. A Lei 14.109/2020, estão, estabelece que: “Na aplicação dos recursos do FUST será obrigatório dotar todas as escolas públicas brasileiras, em especial as situadas fora da zona urbana, de acesso à internet em banda larga, em velocidades adequadas, até 2024”.
CONTRAPARTIDAS ESTABELECIDAS COM O LEILÃO DO 5G – novembro 2021
Outra política pública recente que contempla investimentos na conexão de escolas públicas são as contrapartidas estabelecidas no edital para a licitação das radiofrequências voltadas para o 5G, especificamente para a frequência dos 26GHz, por pressão da Câmara Federal e do TCU, pois inicialmente a ANATEL não havia estabelecido contrapartidas para as empresas que arrematassem esse lote de frequências. O valor dos investimentos é de R$ 3 bilhões – esperava-se mais do processo de licitação.
O Edital, entretanto, não especificou quais serão as obrigações de conexão das escolas. Elas deverão ser definidas por programas a serem desenvolvidos pela Entidade Administradora da Conexão das Escolas (EAC) com o Ministério da Educação e depois os programas devem ser aprovados pelo Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (GAPE), composto pela ANATEL, MCOM e MEC. Nem a EAC e nem o GAPE contarão com a participação da sociedade civil para a definição desses planos. O leilão do 5G ocorreu em novembro do ano passado, os recursos arrecadados já estão disponíveis e até agora as metas não foram definidas.
Mais recentemente – abril deste ano, o Ministro das Comunicações Fabio Faria anunciou que o Programa Wi-Fi Brasil estaria conectando mais de 10 mil escolas públicas, sendo que a maioria em áreas rurais, mas até agora não houve uma prestação de contas sobre as alegadas conexões.
Por fim, no último dia 20 de maio, ficamos sabendo pela imprensa que Elon Musk estará lançando pela rede Starlink a conexão de 19 mil escolas públicas, assim como o monitoramento da Amazonia, projeto este desvinculado de qualquer procedimento administrativo conhecido para a contratação e de outras políticas públicas voltadas para a conexão das escolas. Segundo o empresário, trata-se do “início de um namoro” com o governo federal do Presidente Jair Bolsonaro e, segundo o Pr, “não tem contrato, é um acordo. Vamos facilitar tudo. Com ligeireza e desburocratização”.
Vale destacar que o Brasil fez alto investimento em satélite geoestacionario, pronto desde 2017, operado hoje pela ViaSat, justamente para atender regiões remotas do Amazonas e suas escolas rurais. Porém, dado o caráter eleitoreiro não sabemos como o Governo tratará essas sobreposições.
QUANTO PRECISAMOS PARA CONECTAR AS ESCOLAS? De acordo com o já mencionado estudo da MEGAEDU, serão necessários em torno de 9 a 11 bilhões de reais para conectar as escolas públicas com infraestrutura que garanta padrões mínimos de qualidade e permitam o uso pedagógico da Internet, com vistas a democratizar o acesso a Internet.
Esperamos que o próximo governo eleito esteja atento para essas desigualdades e assumam o compromisso com a universalização garantida tanto pela Constituição Federal, quando estabelece que as telecomunicações são serviços públicos, ainda que prestados pela iniciativa privada, quanto pelo Marco Civil da Internet, que desde 2014 elevou a conexão a Internet como serviço essencial e universal.