3 de maio de 2020
Como consequência da aprovação da Lei 13.879/2019, originada do PLC 79/2016 tão comentado em diversos posts aqui no blog, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em fevereiro deste ano, instaurou a Consulta Pública 5, com o objetivo de colher subsídios para a edição do Regulamento e dos contratos de Adaptação das concessões de telefonia fixa firmadas em junho de 1998, no processo de privatização do Sistema Telebrás, para autorizações.
Para subsidiar a consulta pública foram disponibilizados pela ANATEL uma série de documentos, entre eles a metodologia econômica que irá embasar a apuração do valor econômico das concessões públicas, de modo a reverter esse valor para novos investimentos em infraestrutura que dê suporte ao acesso a Internet.
Ou seja, caso o processo de apuração dos valores relativos à concessão não seja feito de acordo com a lei, de forma justa e equilibrada, o Brasil estará entregando o patrimônio estratégico das redes públicas de telecomunicações e seus dutos para a iniciativa privada, com base em análise subestimada, em prejuízo da União Federal, que é o poder concedente dos serviços de telecomunicações, e de toda a sociedade brasileira, pelo comprometimento dos novos investimentos a serem feitos para atender as finalidades de universalização dos serviços de acesso a Internet e inclusão digital.
Diante da importância deste processo, que significa o reposicionamento do modelo de telecomunicações no Brasil, a Coalizão Direitos na Rede (CDR) contratou a AC Lacerda Consultoria para elaboração de parecer econômico para análise da metodologia econômica proposta pela ANATEL. O parecer resultado do trabalho dos economistas Antonio Corrêa de Lacerda, André Paiva Ramos e Roberto Y. Shiroma e indentificou uma série de fragilidades na proposta da agência e serviu de base para a apresentação de contribuições por algumas das entidades que integram a CDR.
A prevalecer a metodologia que a ANATEL pretende adotar para definir o valor econômico das concessões, a situação de desigualdade no acesso a Internet, que denunciamos aqui no blog, permanecerá.
Entre as contribuições apresentadas, segue abaixo a do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, da qual se pode constatar os riscos de perda vultosa de recursos públicos e soberania do Brasil sobre as redes de telecomunicações.
Esperamos que os poderes públicos com atribuição para acompanhar os aspectos sensíveis indicados, como a falta de acompanhamento e controle pela ANATEL sobre os bens reversíveis e o equilíbrio econômico financeiro dos contratos, não se omitam diante de questão de enorme importância estratégica para o desenvolvimento econômico, cultural e social de nossos país.
Consulta Pública 05/2020 ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
“Reavaliação do modelo regulatório brasileiro de prestação de serviços de telecomunicações, baseado nos regimes público e privado, conforme a Lei Geral de Telecomunicações - LGT (Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997), considerando, entre outros aspectos, as melhores práticas internacionais sobre o tema, a essencialidade dos diversos serviços de telecomunicações, os modelos de outorga (concessão, autorização e permissão), a reversibilidade dos bens, a continuidade, a universalização e os regimes de estabelecimento de preços. Nesse sentido, incluem-se neste projeto a proposição de alterações legislativas, a revisão do Plano Geral de Outorgas - PGO, a elaboração de um modelo de Termo de Autorização único e a elaboração de normatização que discipline a adaptação de instrumentos de outorga vigentes.”
O INTERVOZES – COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o no 06.040.910/0001-84, com sede na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, na Rua Rego Freitas, 454, 9° andar, CEP 01220-010, membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações (CDUST) e integrante da Coalizão Direitos na Rede (CDR) vem apresentar sua contribuição à Consulta Pública nº 05/2020, com fundamento nas razões de fato e de direito a seguir expostas:
I – Telecomunicações – Serviço Público
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Tendo em vista que o objetivo da Consulta Pública nº 05 está relacionado ao “Projeto Estratégico de Reavaliação do Regime e Escopo dos Serviços de Telecomunicações” para estabelecer o Regulamento de Adaptação das Concessões do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC) para Autorizações, é importante partir da premissa expressa no art. 21, inc. XI, da Constituição Federal, de acordo com o qual compete à União, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações.
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Portanto, independentemente de o serviço de telecomunicações ser prestado no regime público ou privado, estamos diante de serviço público pelo qual a União Federal deve se responsabilizar, nos termos do art. 175, da Constituição Federal, que atribui ao Poder Público o dever de viabilizar o acesso aos serviços públicos, prestados diretamente pelo Estado ou por empresas delegadas, com a garantia dos direitos dos consumidores, entre eles a qualidade e a continuidade da prestação.
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Importante levar em conta também que as mudanças na LGT sobre as quais se apoia esta consulta foram promovidas por intermédio da Lei 13.879/2019 sob a justificativa de alterar o foco das políticas públicas do setor, de modo a privilegiar a ampliação do acesso a Internet e promover a inclusão digital.
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Sendo assim, para a análise das propostas dos textos normativos submetidos pela ANATEL à consulta pública, fundamental que se adotem também como premissas as garantias estabelecidas pela Lei 12.965/2014 – o Marco Civil da Internet (MCI), que elevou a conexão a Internet ao patamar de serviço essencial e por isso universal, como autoriza o art. 9º, § 1º, da Constituição Federal.
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Foi com base nessas premissas que as entidades que integraram a Campanha Banda Larga é um Direito Seu e hoje integram CDR, criticaram e reagiram institucionalmente desde o início contra o projeto de lei que deu origem à Lei 13.879/2019.
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Especialmente em virtude da alteração do § 1º, do art. 65, da Lei Geral das Telecomunicações para permitir que serviços de interesse coletivo e essenciais pudessem ser prestados exclusivamente em regime privado, abrindo-se margem para a interpretação, ao nosso ver equivocada e inconstitucional, de que o Poder Público poderia deixar de se responsabilizar pela garantia de acesso a esses serviços.
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Abrir mão das garantias relacionadas à universalização, para além de ser inconstitucional de acordo com nossa análise, tem mostrado seus efeitos no acirramento das desigualdades do acesso e da qualidade dos serviços entre consumidores das classes A e B e os das classes C, D e E, como tem se revelado com o atual quadro de pandemia e isolamento social, em razão dos quais utilizar a Internet tem se mostrado cada vez mais essencial.
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O atual cenário deixa claro que para os consumidores de baixa renda que contratam planos com franquia e acesso limitado a Internet, a inclusão digital de fato não ocorreu, o que tem dificultado a utilização de outros serviços públicos e auxílios sociais como a renda básica emergencial para milhões de cidadãos brasileiros.
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Sendo assim e independente do que está expresso hoje no § 1º, do art. 65, da LGT, o certo é que sua interpretação deve ser feita de acordo com a Constituição Federal, razão pela qual reforçamos as premissas sobre as quais se apoiam nossas contribuições, quais sejam, que estamos tratando de serviço público e que, portanto, as ações regulatórias do Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), bem como da ANATEL devem assegurar o acesso às telecomunicações, inclusive com base no que estabelece o Código de Defesa do Consumidor nos arts. 4º, inc. X e 22.
II – Insuficiência de elementos fáticos e normativos para embasar o processo de Consulta Pública
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Considerando que o principal objetivo do processo de adaptação das concessões do STFC para autorizações é reverter o valor econômico dos contratos públicos para novos investimentos em infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados que sirva de suporte para o acesso a Internet ( § 3º, do art. 144-B, da LGT, e art. 16, da proposta de Regulamento), é fundamental que saibamos quais serão as regiões e localidades a serem alvo das novas políticas públicas e que deverão ser atendidas e por quais tipos de tecnologia e de serviços.
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Porém, destacamos que até agora o MCTIC não editou decreto tratando do plano com a relação dos compromissos de novos investimentos que deverão estar alinhados com o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT), nos termos do que está previsto no art. 5º, da minuta de Regulamento de Adaptação, e que deverão orientar as propostas das concessionárias que eventualmente vierem a se interessar pela adaptação.
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Aliás, vale destacar que a atualização do PERT foi divulgada pela ANATEL, no último dia 29 de abril; ou seja, na véspera do prazo final para contribuições a esta consulta pública, o que reforça nosso argumento de que a sociedade está com condições reduzidas para participar.
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É evidente que as alterações do PERT publicadas um dia antes do prazo para contribuições, dado o papel que este normativo desempenha para as políticas de expansão da infraestrutura de suporte à banda larga e para o cumprimento dos objetivos das adaptações de concessões para autorizações, mereceriam um tempo maior de análise; ou seja, a publicação do PERT na véspera do prazo para contribuições compromete nossa capacidade de participar.
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Além da ausência de atos normativos do Poder Executivo que indiquem quais serão os compromissos de investimentos necessários para propiciar que se possa pelo menos estimar seus valores, deixaram também de ser fornecidos para os participantes da consulta pública documentos essenciais de natureza econômica, o que dificulta o posicionamento seguro diante da metodologia econômica apresentada pela ANATEL para embasar o processo ora em tela, bem como os termos da minuta de autorização e de regulamento para a adaptação, que também deverão prever expressamente os compromissos assumidos pelas hoje concessionárias.
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Informamos que, diante da complexidade técnica que envolve o tema em questão, para subsidiar as contribuições de diversas entidades que integram a CDR, contratamos a consultoria econômica e financeira especializada AC Lacerda, que elaborou Parecer Técnico Econômico analisando a documentação fornecida pela ANATEL para a consulta pública, especialmente a respectiva metodologia econômica, tendo sido apontada a falta de subsídios como dito acima. Vale destacar alguns dos apontamentos constantes do referido Parecer Técnico Econômico:
"_21. O Brasil é um país continental e há uma enorme diversidade de regiões, diferentes entre si pela densidade populacional, estrutura produtiva, desigualdade de renda, etc.. Nas localidades mais pobres e com menor densidade populacional não há economia de escala e de escopo para promover maior concorrência, criando um ambiente propicio à formação de monopólio natural. _ 23. Essa característica gera incerteza no caminho escolhido, uma vez que não há clareza quanto às obrigações e compromissos de investimentos a serem realizados por parte das empresas que vierem a optar pela migração de regime, de concessão para autorização. (...) 79. São relacionadas ainda referências aos processos nº 53500.054825/2017-26, no 53500.054823/2017- 37, no 53500.054828/2017-60 e no 53500.054815/2017-91. Entretanto, como tais documentos são de acesso restrito, não foi possível verificar e analisar o seu conteúdo.
(...)
- Em adição, a metodologia ressalta que o saldo decorrente da meta de universalização estabelecida no art. 19 do Decreto no 9.619/2018 – PGMU IV foi apurado no processo 53500.012737/2019-19, entretanto não foi possível identificar a apresentação de tais saldos, em função de sua apresentação em documento de acesso restrito".
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Ou seja, o processo de Consulta Pública está desprovido de subsídios econômicos de natureza fática e documental suficientes e sem o devido grau de consistência adequados à complexidade e relevância dos aspectos envolvidos, gerando incertezas aos participantes pela falta de transparência.
III – O § 1º, do art. 144-B, da LGT
- Como está expresso na parte introdutória da minuta de Regulamento de Adaptação das Concessões do STFC, entre os principais fundamentos legais para as alterações no modelo de outorga em curso estão os arts. 144-A e parágrafos, do art. 144-B da LGT, resultados das alterações introduzidas pela Lei 13.879/2019. Estes dispositivos estabelecem que:
Art. 144-B. O valor econômico associado à adaptação do instrumento de concessão para autorização prevista no art. 144-A será determinado pela Agência, com indicação da metodologia e dos critérios de valoração. § 1º O valor econômico referido no caput deste artigo será a diferença entre o valor esperado da exploração do serviço adaptado em regime de autorização e o valor esperado da exploração desse serviço em regime de concessão, calculados a partir da adaptação. § 2º O valor econômico referido no caput deste artigo será revertido em compromissos de investimento, priorizados conforme diretrizes do Poder Executivo. § 3º Os compromissos de investimento priorizarão a implantação de infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados em áreas sem competição adequada e a redução das desigualdades, nos termos da regulamentação da Agência. § 4º Os compromissos de investimento mencionados neste artigo deverão integrar o termo previsto no inciso IV do art. 144-A. § 5º Os compromissos de investimento deverão incorporar a oferta subsidiada de tecnologias assistivas para acessibilidade de pessoas com deficiência, seja às redes de alta capacidade de comunicação de dados, seja aos planos de consumo nos serviços de comunicações para usuários com deficiência, nos termos da regulamentação da Agência.
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Queremos reiterar o aspecto lesivo do critério adotado pela lei que, em alguma medida, pode induzir à interpretação no sentido de que apenas os valores econômicos da exploração do STFC projetado para o futuro nos cenários de concessão e autorização deveriam ser levados em conta no processo de adaptação, o que afrontaria o princípio constitucional do equilíbrio econômico financeiro que deve reger os contratos públicos.
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Isto porque, como é notório e tem sido divulgado frequentemente pela ANATEL, a telefonia fixa vem perdendo o interesse dos consumidores já há alguns anos e, consequentemente, os contratos de concessão perdendo sustentabilidade e viabilidade econômicas.
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Sendo assim, admitir que a apuração do valor econômico das concessões para reverte-lo em novos investimentos em infraestrutura para os serviços de dados se dê apenas com base em projeções futuras de exploração do STFC, sem considerar os vultosos ganhos que as concessionárias obtiveram desde 1998 até a data da adaptação, representaria iniquidade incompatível com o caráter público dos contratos ora em tela. Representaria admitir que empresas privadas se apropriassem de recursos que, pela lei, devem reverter para interesses e demandas públicas, em prejuízo inadmissível para a finalidade legal de inclusão digital e desenvolvimento econômico e social do país, com violação clara ao inc. XXI, do art. 37, da Constituição Federal.
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Conforme o Parecer Técnico Econômico que embasa nossa contribuição:
"120. Vale ressaltar que o valor esperado de receita do STFC tende a se reduzir ao longo dos anos até 2025, em função da queda de demanda desse serviço em detrimento do aumento da demanda de serviço de telefonia móvel e banda larga. "121. No entanto, isso não implica desconsiderar os ganhos auferidos no passado, levando-se em consideração o princípio do equilíbrio econômico financeiro. Esses aspectos, entretanto, não foram devidamente apurados, dada a já mencionada ausência de acompanhamento e controle.
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Importante destacar que o Tribunal de Contas da União (TCU), ao analisar o processo de revisão do modelo de prestação das telecomunicações – TC 019.677/2006-2, Acórdão 2.692/2008-TCU-Plenário, identificou riscos, indicando entre eles:
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A inexistência de critérios na fixação de fatores de transferência de produtividade das concessionárias e na mensuração de ganhos de produtividade,
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Acompanhamento deficiente do desempenho econômico-financeiro das concessionárias.
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O TCU constatou ainda que, “decorridos dez anos do processo de privatização, a ANATEL ainda não possuía os dados necessários para a realização da regulação econômica de uma concessão de serviço público” e que não estava atuando efetivamente no cumprimento das obrigações legais de acompanhamento do equilíbrio econômico-financeiro das concessões.
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Ou seja, a metodologia econômica em análise, como se constata no Parecer Técnico sobre o qual se apoia esta contribuição, deixa claro que o que foi identificado como risco pelo TCU anteriormente, caso não seja aperfeiçoada a proposta da ANATEL, se concretizará como vultoso prejuízo, podendo se configurar como ato de improbidade administrativa por malversação de recursos públicos.
IV – Os Bens Reversíveis – Visão Funcional Fracionada
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Aspecto altamente controverso envolvido pelo processo de adaptação das concessões para autorizações diz respeito aos bens reversíveis.
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Os problemas relativos a este aspecto decorrem do fato de que os contratos de concessão foram assinados sem os devidos inventários, como ficou reconhecido por sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Ação Civil Pública ajuizada pela PROTESTE – Associação de Defesa do Consumidor em face da União Federal e ANATEL, tendo ficado consignado o seguinte no Acórdão proferido na ocasião do julgamento do recurso de Apelação contra a sentença que julgou procedente a demanda, que tem como Relator o Desembargador João Batista Moreira (Apelação 0029346-30.2011.4.01.3400/DF):
Estabelece a Lei n. 9.472/97: ... Art. 101. A alienação, oneração ou substituição de bens reversíveis depende de prévia aprovação da Agência. Art. 102. A extinção da concessão transmitirá automaticamente à União a posse dos bens reversíveis. Parágrafo único. A reversão dos bens, antes de expirado o prazo contratual, importará pagamento de indenização pelas parcelas de investimentos a eles vinculados, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. ... Dos contratos de concessão, celebrados em 1998, constou, por exemplo, que: a) “em relação aos bens vinculados à concessão, a Concessionária somente poderá empregar diretamente na prestação do serviço ora concedido equipamentos, infraestrutura, logiciários ou quaisquer outros bens que não sejam de sua propriedade mediante prévia e expressa anuência da Anatel” (cláusula 21.1, § 2º); b) “quando da extinção da concessão reverterão automaticamente à Anatel todos os bens vinculados à concessão na forma do Capítulo XXI supra, resguardado à Concessionária o direito às indenizações previstas na legislação e neste Contrato” (cláusula 22.1); c) “a Concessionária se obriga a entregar os bens reversíveis em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção, sem prejuízo do desgaste normal resultante do seu uso” (cláusula 22.2). É inconcebível o controle do atendimento a essas e outras disposições legais e contratuais sem que, ao início das concessões (marco 0), haja “inventários de bens reversíveis de cada uma das concessionárias do STFC”.
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Vale destacar que o recurso interposto contra esta decisão não tem efeito suspensivo e, portanto, a determinação contida no R. Acórdão já está em vigor, sem que a União e a ANATEL estejam cumprindo o comando judicial, como está patente com a proposta apresentada nesta consulta pública.
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Outro problema grave envolvendo o controle dos bens reversíveis diz respeito ao fato de que, apesar de os contratos de concessão terem sido assinados em 1998, a ANATEL só editou o regulamento para o devido acompanhamento e controle no final de 2006 e, mesmo assim, por ter sido provocada pelo TCU.
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Por determinação do TCU a superintendência de fiscalização da ANATEL promoveu Auditoria Interna – Relatório nº 11/2007/AUD, tendo ficado constatado o seguinte:
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Além da decisão judicial e do reconhecimento pela própria ANATEL do descontrole sobre os bens reversíveis, o TCU também envidou outros enormes esforços no sentido de compelir a agência a realizar suas atribuições regulatórias quanto aos bens reversíveis, mas sem sucesso.
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É o caso do Acórdão 3311/2015, do qual constam informações de que o valor destes bens alcança o montante de R$ 108 bilhões, como assumiram as próprias concessionárias durante a auditoria realizada para instruir o processo. Neste processo o TCU determinou que a ANATEL adotasse uma série de condutas para reduzir os prejuízos, o que não ocorreu, sendo que a agência recorreu desta decisão por meio de Embargos de Declaração.
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Os Embargos foram julgados em 11 de setembro de 2019, tendo sido mantidas a grande maioria das determinações impostas para a ANATEL pelo Acórdão 2142/2019, do qual ficou constando:
A questão não é de somenos importância. Abrange o controle e a gestão do gigantesco patrimônio público federal, atualmente estimado em mais de R$ 121.600.000.000,00 (cento e vinte e um bilhões e seiscentos milhões de reais), transferido às concessionárias, a partir do ano de 1998, e por elas livremente utilizado na prestação do serviço público de telefonia. Mas não somente isto. Os dados patrimoniais são relevantes para respaldar o interesse público, na correta fixação e identificação do patrimônio transferido às concessionárias, por ocasião do início do contrato, com o objetivo de proteger a União Federal, em relação a futuros pedidos de indenização, que certamente, no término da concessão, serão encaminhados por todas as operadoras. Como veremos adiante, todas as manifestações do TCU são fundamentadas na LGT e conclusivas, no sentido de que a Anatel descumpriu praticamente a íntegra de suas obrigações legais e contratuais, no que se refere ao controle dos bens reversíveis do STFC, desconsiderando o patrimônio público de R$ 121,6 bilhões de reais, gerido pelas concessionárias. Nesse sentido, deixaram os agentes da Anatel de praticar os atos exigidos pela lei, com o resultado prático de desproteger o Erário. A absoluta falta de ação da Anatel, em face da gestão de tão imenso patrimônio, faz supor que ela voluntariamente abdicou da prática de qualquer ato, referente à coleta de dados da propriedade desse patrimônio e de sua evolução. Examinemos os fatos:
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Neste mesmo Acórdão, o TCU também deixou muito claro seu entendimento de que é possível, sim, a venda dos bens reversíveis, desde que se obedeçam o devido processo administrativo, bem como a lógica do equilíbrio econômico financeiro do contrato, com a preservação do acervo associado às concessões, ao contrário do que ocorreu durante a vigência desses contratos. Vejamos esse trecho:
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Apesar da clareza da decisão do TCU, a ANATEL tem defendido que, pelo fato de a Lei 13.879/2019 ter sido editada em 3 de outubro do mesmo ano, ou seja, poucos dias depois do julgamento, que as controvérsias estariam superadas e a agência não estaria submetida aos termos do Acórdão.
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A interpretação pretendida pela ANATEL é inconstitucional, pois viola as garantias do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, na medida em que defende que as regras de um contrato administrativo, resultado de um processo licitatório ocorrido há mais de 20 anos, que implica em vultosos recursos públicos que superam a casa dos R$ 100 bilhões, poderiam ser alteradas por uma lei posterior.
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Este entendimento viola os princípios da licitação e implicaria em desrespeito aos princípios da impessoalidade e moralidade, uma vez que as regras que balizaram a concorrência no passado estariam sendo modificadas em benefício de determinados grupos econômicos.
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Ademais, conforme destacou o Parecer Técnico Econômico em anexo, a metodologia proposta pela ANATEL para apurar o valor dos bens reversíveis também conceitualmente está em desacordo com o que determinou o TCU, que, como é possível concluir pelos Acórdãos mencionados acima, partem da visão patrimonial; porém a agência propõe a visão funcional fracionada:
4.3. Bens Reversíveis (C) 96. O componente “C”, associado ao saldo total a ser apurado refere-se à valorização dos bens reversíveis, que passarão a fazer parte do ativo das concessionárias que optarem pela migração do regime. 97. A metodologia definiu a possibilidade de efetuar tal valorização por meio de dois processos, sendo uma a avaliação contábil na hipotética alienação desses ativos ao final da concessão, definida como valor
financeiro (C1). A outra é a avaliação econômica da continuação da exploração dos bens após o prazo da concessão, definida como valor econômico (C2), calculada pelo método de fluxo de caixa futuros, que seriam proporcionados por esses ativos, e descontado ao valor presente pela taxa de custo médio ponderado de capital do setor calculado pela Anatel.
- As formas apresentadas para valoração dos bens reversíveis são mutuamente excludentes entre si, sendo selecionada apenas o valor que apresentar o maior resultado.
- Para os cálculos apresentados, a metodologia utiliza-se da chamada “Visão Funcional Fracionada”, que considera os bens reversíveis apenas aqueles que são estritamente necessários na prestação de serviços do STFC (aspecto Funcional) e, dentre tais ativos, apenas a proporção que é efetivamente utilizada nessa prestação de serviços (aspecto Fracionado). É dado como exemplo que, se uma fibra ótica que tenha 10% utilizada para o STFC e 90% para outros serviços, apenas esses 10% do valor do ativo serão considerados.
- Tal método difere da chamada “Visão Patrimonial” (ou inventarial), na qual tem a Relação de Bens Reversíveis (RBR) como referência para a apuração dos valores. A metodologia comenta que “embora seja o instrumento oficial de controle de tais bens, a RBR apresenta uma visão inventarial dos bens, o que difere do conceito de valoração dos bens pela proporção de seu uso.”
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Ou seja, a ANATEL está contrariando frontal e expressamente tanto a decisão judicial proferida na Ação Civil Pública, quanto a decisão do TCU, do que decorrem ilegalidades incontestáveis.
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Há mais ilegalidades envolvendo os bens reversíveis neste processo; segundo apurou o Parecer Técnico Econômico, a metodologia proposta pela ANATEL não traz mecanismos capazes de contemplar a perda bilionária de bens reversíveis alienados ilegalmente no passado, em contrariedade com o regulamento editado pela própria agência.
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Por conseguinte, podemos concluir que a metodologia econômica proposta pela ANATEL, especificamente no que diz respeito aos bens reversíveis, caso não seja revista, implicará em lesão por perda ilegal de vultosos recursos públicos.
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A discrepância dos valores correspondentes aos bens reversíveis entre o que sustenta o TCU e a ANATEL é enorme, na medida em que para o tribunal de contas trata-se de algo em torno de R$ 120 bilhões e para a agência estar-se-ia tratando de um acervo em torno de R$ 17 bilhões.
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Para dimensionar a fragilidade das contas da ANATEL e seu potencial lesivo, basta considerar dados produzidos pela própria agência, que revelam a relevância das redes públicas de transporte e acesso, associadas aos contratos de concessão, para o tráfego de dados no Brasil.
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Ou seja, estamos falando não só das redes responsáveis por mais de 40% do tráfego de dados em banda larga fixa, mas também dos seus respectivos dutos – obras de engenharia civil – instalados no Brasil inteiro avaliados pela própria ANATEL em valor presente líquido em 2013 em mais de R$ 70 bilhões, conforme documento elaborado pela agência, valendo a transcrição de parte do estudo realizado naquele ano pela agência e Ministério das Comunicações, com vistas à revisão do modelo, conforme admitido publicamente pelo então Ministro Paulo Bernardo.
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As ilegalidades da metodologia apresentada pela ANATEL a respeito dos bens reversíveis ficaram evidenciadas também nesta parte do Parecer Técnico Econômico:
129. Com respeito à valoração dos bens reversíveis, a metodologia considera somente os itens constantes na Relação de Bens Reversíveis (RBR) como ponto de partida. Assim, ela não apresenta estimativas de valores dos bens reversíveis vendidos sem o controle da agência reguladora, segundo auditoria do TCU. Como a lógica adotada foi a “Visão funcional fracionada”, o saldo dos bens reversíveis não levou em conta os seguintes aspectos: i. Valor total dos bens não alienados desde o início da concessão; ii. Valor dos bens adquiridos com recursos oriundos das alienações de bens reversíveis e de outros recursos da concessão; iii. Valor do saldo das alienações de bens reversíveis que não foram reinvestidos em STFC; iv. Valor dos bens reversíveis adquiridos com base em recursos oriundos da concessão e que são utilizados parcialmente por outros serviços; e v. Valor de compensação pela utilização de bens reversíveis da concessão por outros serviços prestados em regime privados.
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Portanto, caso prevaleça a metodologia proposta pela ANATEL, amargaremos não só a perda de recursos públicos vultosos, mas também a perda de soberania sobre infraestrutura de redes estratégicas para o desenvolvimento econômico, cultural e social do Brasil.
V – Os subsídios cruzados ilegais – art. 103, § 2º, da LGT
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Outro aspecto abordado pela consulta da CDR aos consultores econômicos diz respeito ao fato de que, apesar de a LGT proibir expressamente no § 2º, do art. 103, da LGT, o subsídio cruzado entre modalidades de serviços, o certo é que eles ocorreram, conforme documentado pela própria ANATEL, de modo que um volume muito significativo das receitas auferidas com a exploração do STFC não reverteram em benefício da concessão; ao contrário, foram investidas em infraestruturas de suporte a serviços prestados em regime privado.
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Vale a transcrição da parte do Parecer Técnico Econômico que trata deste aspecto:
Aspectos relevantes para análise na metodologia econômica da CP no 05/2020 55. Com base nos documentos disponibilizados na CP no 05/2020, podem-se destacar os seguintes aspectos relevantes para a análise da metodologia econômica: • Aumento da demanda social pela banda larga e redução da demanda por STFC; • Continuidade obrigatória da prestação de STFC em condições e qualidades adequadas nas diversas localidades do país, com destaque para áreas sem competição adequada e as não rentáveis econômico e financeiramente; • Instituição de salvaguardas para evitar aumentos e reajuste abusivos nos preços e tarifas a serem cobrados dos usuários no regime privado; • Garantir os investimentos para expandir e universalizar progressivamente a oferta e o acesso aos serviços de banda larga e de telefonia móvel com tecnologias mais avançadas, sobretudo para localidades com déficit de oferta de serviços de telecomunicações; • Definição e acompanhamento de questões concorrenciais, sobretudo no que se refere a dois aspectos: (i) localidades consideradas não rentáveis e que não se verifica ampla concorrência; e (ii) evitar vantagens para empresas que optarem pela adaptação de regime em detrimento das demais empresas; • Valoração dos bens reversíveis de cada concessionária considerando desde o início das concessões e os resultados das alienações dos bens e o saldo das contas dos investimentos realizados em substituição do bem vendido; • Compensação por eventual subsídio cruzado entre o STFC e os demais serviços de telecomunicações; • Valoração econômica associada à adaptação do instrumento de concessão para autorização, conforme Art. 144-B; • Definição de compromissos de investimentos em telefonia móvel e banda larga em áreas sem competição adequada. (...) 44. Segundo Anatel2, grande parte dos investimentos realizados na concessão local de STFC serviram para a prestação privada de serviço de dados: “é possível, ainda, inferir, a partir dos dados disponíveis abaixo, que o montante global de investimentos realizados no serviços de Dados corresponde a um percentual de 80% do total de investimento realizados na Concessão Local, fato que indica que grande parte dos resultados das empresas foi utilizada no ‘financiamento’ de um serviço prestado em regime privado.” [página 34 do Informe 427/2008 PBCPD/PVCPC/CMLCE/PBCP/PVCP/CMLC/ SPB/SPV/SCM, emitida pela ANATEL em 05 de dezembro de 2008] (...) 137. Adrede, compensação por eventual subsídio cruzado entre o STFC e os demais serviços de telecomunicações não é considerado na metodologia de cálculo. Como já apontado na resposta ao quesito (a), ressalte-se que a fórmula deveria contemplar esse fator como um parâmetro adicional. Ou seja, não são contemplados mecanismos de compensação dos ganhos obtidos com investimentos em outros serviços, que não aqueles objeto do contrato de concessão, com receitas oriundas de STFC.
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Dado, então, o percentual de valores auferidos com a exploração do serviço objeto dos contratos de concessão que foram absorvidos por outros serviços prestados no regime privado, de forma absolutamente ilegal, o certo é que, neste momento de reposicionamento do modelo das telecomunicações, este aspecto não poderia ter sido deixado de lado, como aponta o Parecer Técnico Econômico.
VI – Indenizações
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Causou especial espanto na metodologia econômica proposta pela ANATEL a previsão sobre possíveis indenizações a serem pagas para as concessionárias. Ao tratar desse tema, o Parecer Técnico Econômico deixou consignado o seguinte:
4.4. Indenização (I) 110. Para o componente “I”, deve se levar em consideração que nenhuma indenização é devida pela ANATEL sobre os bens reversíveis, exceto o disposto na cláusula 23.3 do contrato de Concessão do STFC, que menciona que “...somente caberá indenização em favor da Concessionária caso existam, ao final da concessão, bens ainda não integralmente amortizados, cuja aquisição tenha sido previamente autorizada pela ANATEL”. Esses investimentos seriam apenas permitidos pela Agência para garantir a continuidade e atualidade da prestação do STFC. 111. Dessa forma, considerando a continuidade do serviço sem mudança de regime, ao final da concessão a Anatel deveria indenizar os bens ainda não amortizados. O modelo de migração de regime não prevê essa indenização nesses termos, mas sim define uma redução no valor do saldo total, considerando o montante a que a concessionária teria direito ao final do contrato. 112. A metodologia prevê que “...o cálculo da indenização assume a premissa de que todo investimento a partir da data de migração estaria autorizado pela Anatel. Assim, a indenização consiste na diferença entre: a) o total de ativos líquidos (não depreciados) em 2025; e b) a parcela não depreciada dos ativos adquiridos antes do ano da migração, dado que a Anatel não autorizou nenhum investimento até o momento”, considerados por meio do seu valor financeiro e custo histórico. 113. Analisando a metodologia apresentada acima, na nossa visão, deveria ser considerado como indenização apenas a parcela não depreciada dos ativos adquiridos com recursos próprios das concessionárias, antes da data de migração. 4.5. Desonerações anteriores de Backhaul e Postos de Serviço de Multifacilidades - PSM (S) 114. Por fim, a componente “S”, referente aos saldos de Backhaul e PSM, assume os valores já calculados no Informe no 105/2017/SEI/PRUV/SPR constante do Processo no 53500.022263/2013-28 da Superintendência de Planejamento e Regulamentação. São apresentados também os detalhes da metodologia e resultados do cálculo do saldo proveniente destas desonerações que, atualizados até junho de 2017, apresentam um valor total de desoneração de R$ 3.566.622.856,21 (valor incluir TUP).
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Ou seja, é evidente que houve uma quantidade de vantagens indevidas durante a vigência das concessões que foram apropriadas pelas concessionárias no curso dos contratos de concessão, em virtude do que em hipótese nenhuma poderiam justificar que a União indenize as concessionárias.
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Entre as vultosas vantagens, para além da apropriação indevida de receitas provenientes de bens reversíveis e subsídios cruzados ilegais, conforme exposto acima, não podemos deixar de considerar num contexto de encerramento dos contratos de concessão o seguinte:
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As autorizações de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações (SRTT) firmadas com as concessionárias poucos dias antes do leilão, por força do que seus valores deixaram de ser computados na avaliação realizada para as privatizações; ou seja, as concessionárias se apropriaram da rede de dados gratuitamente e passaram a operar este serviço em desrespeito à redação da época do art. 86, da LGT, que restringia a atuação dessas empresas à exploração do STFC;
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As concessionárias se apropriaram das redes de tronco, fora do regime público, a despeito do que está expresso no art. 207, da LGT, determinando que essa infraestrutura deveria ser objeto de contratos de concessão. Vejamos:
Art. 207. No prazo máximo de sessenta dias a contar da publicação desta Lei, as atuais prestadoras do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral, inclusive as referidas no art. 187 desta Lei, bem como do serviço dos troncos e suas conexões internacionais, deverão pleitear a celebração de contrato de concessão, que será efetivada em até vinte e quatro meses a contar da publicação desta Lei.
- Relevante também a alteração do art. 86, da LGT, ocorrida em 12 de setembro de 2011, com a edição da Lei 12.485, em razão da qual as concessionárias passaram poder prestar outros serviços além do STFC, sendo que as medidas previstas na lei para readequar tarifas e direitos dos consumidores nunca aconteceram:
“Art. 86. A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente serviços de telecomunicações. Parágrafo único. Os critérios e condições para a prestação de outros serviços de telecomunicações diretamente pela concessionária obedecerão, entre outros, aos seguintes princípios, de acordo com regulamentação da Anatel: I - garantia dos interesses dos usuários, nos mecanismos de reajuste e revisão das tarifas, mediante o compartilhamento dos ganhos econômicos advindos da racionalização decorrente da prestação de outros serviços de telecomunicações, ou ainda mediante a transferência integral dos ganhos econômicos que não decorram da eficiência ou iniciativa empresarial, observados os termos dos §§ 2º e 3º do art. 108 desta Lei; II - atuação do poder público para propiciar a livre, ampla e justa competição, reprimidas as infrações da ordem econômica, nos termos do art. 6º desta Lei; III - existência de mecanismos que assegurem o adequado controle público no que tange aos bens reversíveis.” (NR) § 1º A concessionária do STFC poderá solicitar, a qualquer tempo, a adequação do contrato de concessão às disposições deste artigo. § 2º A Anatel deverá adotar as medidas necessárias para o tratamento da solicitação de que trata o § 1º e pronunciar-se sobre ela em até 90 (noventa) dias do seu recebimento, cabendo à Anatel, se for o caso, promover as alterações necessárias ao contrato de concessão, considerando-se os critérios e condições previstos no parágrafo único do art. 86 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
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As enormes vantagens decorrentes da não implementação modelo de custos para orientar as tarifas de atacado e de varejo, que deveria estar em vigor desde janeiro de 2006, quando iniciou-se a nova etapa dos contratos de concessão, como ficara estabelecido pelo Decreto 4.733/2003, o que pesou de forma decisiva para a não universalização real do acesso à telefonia fixa, por conta do altíssimo valor da assinatura básica, valendo resgatar os seguintes dados, segundo DIEESE sobre o valor das tarifas antes da privatização e da própria ANATEL, durante os primeiros anos dos contratos de concessão:
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Diante dos dados acima é correto concluirmos que o peso da universalização da infraestrutura do STFC foi suportado pelas tarifas pagas especialmente pelos consumidores dos planos básicos, inclusive porque o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), como já atestou o TCU, apesar de ter sido suportado pelo consumo, nunca foi utilizado de modo a reduzir os valores das tarifas para atender os usuários de baixa renda, que ficaram sujeitos aos preços altos cobrados pelo serviço de voz pela rede móvel no sistema pré-pago.
- Portanto, é uma afronta ao princípio do equilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão e à moralidade administrativa falar-se em indenização às concessionárias, que estão tendo a vantagem de se apropriarem de infraestrutura que, de acordo com as regras do leilão à época, deveria reverter para a União, sejam os bens reversíveis, sejam as receitas auferidas com a alienação deles que devem, nesta fase de mudança de orientação de política pública, reverter em benefício da sociedade e das finalidades de inclusão digital.
VII – A inexistência de garantias de obrigatoriedade de continuidade da prestação dos serviços
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Por fim, considerando a premissa que apresentamos na parte inicial de nossa contribuição, independentemente de a outorga de serviços de dar no regime público ou privado, estamos tratando de serviços de telecomunicações, tidos pela Constituição Federal como essenciais e públicos, nos termos do inc. XI, do art. 21, e que dão suporte ao serviço de acesso a Internet, reconhecido como essencial e universal pelo Marco Civil da Internet.
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Sendo assim, é surpreendente que nem a minuta de regulamento de adaptação e nem a minuta do Termo de Adaptação conste a previsão da obrigatoriedade da continuidade da prestação do serviço – não só do STFC, mas também dos demais serviços de telecomunicações que, certamente, receberão investimentos com receitas provenientes do processo de adaptação, como é o caso dos bens reversíveis.
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Também não há previsão de qual será a solução caso uma das empresas que passarem à condição de autorizatárias, passem a ter problemas financeiros ou entrem em processo de falência ou recuperação judicial.
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Tratando-se de serviços e infraestruturas essenciais e estratégicos para a manutenção da administração pública em vários níveis, é fundamental que as minutas de instrumentos normativos propostos pela ANATEL tragam a previsão de possibilidade de intervenção ou retomada das redes pelo Poder Público, de modo a garantir a continuidade na prestação dos serviços e a soberania brasileira sobre as redes de telecomunicações.
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Pelo exposto, o Intervozes, com o objetivo de estar participando para a formulação das novas diretrizes que irão orientar o desenvolvimento das telecomunicações no país, espera ter suas contribuições consideradas no processo de adaptação das concessões do STFC para autorizações.
São Paulo, 30 de abril de 2020
Flávia Lefèvre Guimarães Conselho do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social