Eleições de 2018 hackeadas? Cadê o TSE?

Eleições de 2018 hackeadas? Cadê o TSE?

14 de outubro de 2018

Estou convencida de que a escalada do Partido Social Liberal (PSL) nessas eleições de 2018 é um fenômeno artificial. Estamos falando de um partido que, apesar de ter tido pouquíssimo tempo de propaganda eleitoral, no mandato que está para vencer contava com 8 deputados federais e nestas eleições conseguiu chegar a 52.

Por mais que se atribua a Jair Bolsonaro o estímulo ao voto em candidatos do seu partido, trata-se de um aumento de 650% e que merece muita atenção não só de nós cidadãos e acadêmicos, mas especialmente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que no período pré-eleitoral alardeou que faria e aconteceria quanto ao uso ilegal das redes sociais na Internet mas, na realidade, fez muito pouco além do alarde, como noticiou o Estado de São Paulo em 5 de outubro último.

Eduardo Bolsonaro e Steve Bannon

Os casos envolvendo a Cambridge Analytica interferindo na última eleição presidencial nos Estados Unidos da América e no Brexit no Reino Unido foram sinais importantes no sentido de que a coleta ilegal de dados pessoais para a formação de perfis psicológicos, com a finalidade de direcionar conteúdos de modo a influenciar opiniões e, consequentemente, o voto, com a exploração de sentimentos como insegurança, medo e outros, não podem ser ignorados neste momento.

Inclusive porque o filho de Jair Bolsonaro – Eduardo Bolsonaro – se encontrou antes das eleições com Steve Bannon, figura que contratou a Cambridge Analytica para divulgar suas ideias de ultra direita e especialista em marketing político, como noticiou o El País.

A Cambridge Analytica é especialista na modulação de comportamento, com base em processos ilegais de desinformação e consequências destrutivas para as instituições democráticas, como já comentei no post Capitalismo de Vigilância e o esgarçamento da democracia.

Cadê o TSE?

Há muitos elementos que indicam estar ocorrendo uma ação ilegal na rede e o TSE até agora não se moveu. Sugiro ao TSE que reitere perguntas que fizemos em junho deste ano ao Facebook, tendo em vista preocupações com o processo eleitoral de 2018 e a relação da plataforma com a Cambridge Analytica; inclusive porque recentemente nova transferência ilegal de dados de 29 milhões de usuários aconteceu novamente – a terceira neste ano, como assumiu Mark Zuckerberg.

As perguntas que fizemos, mas ficaram sem respostas, foram as seguintes:

A) Quais medidas foram adotadas pelo Facebook para garantir que a Cambridge Analytica de fato eliminou os dados dos mais de 400 mil brasileiros que tiveram dados transferidos ilegalmente de sua plataforma e de que os dados não serão explorados comercialmente ou para fins políticos por aquela empresa ou sua sucessora - a Emerdata?

B) Quais as empresas que atuam no campo do marketing político no Brasil e que mantêm relação contratual para acesso à plataforma do Facebook com vistas à obtenção de dados dos usuários de sua plataforma com finalidade de propaganda eleitoral?

C) Quais dados dos usuários brasileiros são colhidos por essas empresas com autorização contratual do Facebook?

D) A Emerdata ou outra empresa que integre seu grupo econômico ou associada, mantem algum tipo de vínculo contratual com o Facebook? Se sim, há previsão específica para acesso a quais dados de usuários brasileiros?

E) Quais as medidas serão utilizadas pelo Facebook para cumprir as determinações expressas no art. 57-C, da Lei 9.504/1997?

F) Quais serão os termos dos contratos a serem celebrados ou já celebrados com os partidos políticos ou com candidatos? Haverá a possibilidade de transferência de dados dos usuários da plataforma do Facebook? Se sim, como o Facebook promoverá a informação a este respeito, com vistas a obter o consentimento informado e expresso dos usuários e quais dados serão transferidos e para qual finalidade?

G) Qual a extensão interpretativa das expressões usadas no gráfico transcrito acima: “notícias potencialmente falsas”; “notícias falsas” e “rebaixamento de notícias”?

H) Quais medidas serão adotadas pelo Facebook para que o programa de checagem de notícias não ameace as garantias constitucionais da livre manifestação do pensamento, de pluralismo e convicção políticos, e de livre acesso à informação?

I) Há intermediação de algoritmos para a definição do que sejam notícias potencialmente falsas e falsas, com vistas a retirada de posts e rebaixamento de notícias?

J) Quais são os critérios utilizados pelo Facebook para calibragem de algoritmos, com o objetivo de definir a distribuição de notícias e conteúdos de natureza política e eleitoral?

As respostas a essas perguntas já faziam sentido naquela época, mas agora sua importância cresceu diante do resultado das eleições e da iminência do segundo turno para a votação para governos de estados e presidência da república, assim como pelo clima de polarização que se implantou na sociedade, que é perigoso e doentio, como bem demonstra um vídeo que viralizou no Facebook e Youtube - Sua tia não é fascista.

Matéria publicada no Congresso em Foco, de autoria de André Pasti mostra que o TSE falhou no primeiro turno, que foi marcado por desinformação, trazendo uma série de casos grotescos que deixam evidente que as "ações da Justiça eleitoral foram tardias e insuficientes diante do volume da desinformação em circulação durante o primeiro turno das eleições".

Sérgio Amadeu, sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC e Doutor em Ciência Política pela USP, nos dá uma aula de como funciona a Cambridge Analytica e seus algoritmos para traçar perfis psicológicos dos eleitores e interferir nos comportamentos. Sugiro que antes de votarem, dêem uma olhada na aula e pensem bem em que medida não podemos estar sendo influenciados sem percebermos.

As ilegalidades

Todas essas evidências não podem ser ignoradas pelas autoridades competentes, pois a possível, e eu diria bem provável, coleta e uso ilegais de dados pessoais para modulação de comportamento viola uma série de direitos, tais como a inviolabilidade da privacidade, a dignidade da pessoa humana, nossa autonomia da vontade a proteção de dados de quem utiliza o Facebook, por conta de desrespeito à Constituição Federal, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e Marco Civil da Internet.

Crimes comuns e crimes eleitorais também muito provavelmente estão sendo cometidos, como ficou evidente com a violação da página do Facebook – Mulheres unidas contra Bolsonaro, como noticiado em 21 de setembro pelo El País Brasil.

Ou seja, queremos a ação do TSE que latiu mas não mordeu. As plataformas que assumiram o papel de serem palco do debate público eleitoral nos devem muitas respostas. Efeitos graves já se consumaram com o resultado das eleições no Congresso Nacional com configuração mais retrógrada do que nunca e com os inúmeros crimes e agressões que não param de ocorrer, por conta do clima de polarização que está saindo de controle.

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